terça-feira, 17 de abril de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – OBEDIÊNCIA E FIDELIDADE – 25.03.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – OBEDIÊNCIA E FIDELIDADE – 25.03.2012



Na liturgia deste 5º domingo da quaresma, eu destaco dois temas importantes que estão interrelacionados: obediência a Deus e fidelidade ao seu projeto.

Na primeira leitura, o projeta Jeremias (31, 33) preconiza a nova aliança que Javeh fará com seu povo, que não será igual à anterior mercê da qual os hebreus foram retirados do Egito e conduzido pela mão pelo deserto, mas que os antepassados violaram, ou seja, não foram fiéis. A aliança anterior era escrita em tábuas de pedra, mas a nova aliança será diferente, como diz o profeta: “Esta será a aliança que concluirei com a casa de Israel, depois desses dias, diz o Senhor: imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração.” A aliança anterior, escrita na pedra, podia ser facilmente violada, mas a nova aliança escritas nas entranhas e no coração, esta jamais poderá ser esquecida. Jeremias está assim antecipando o que Cristo iria pessoalmente afirmar quando veio realizar esta nova aliança. Só que os judeus não quiseram ouvi-lo e nem aceitaram a inscrição dela nas suas entranhas, por isso a nova aliança foi levada aos gentios, aos não judeus, chegando até nós. Pelo batismo, a lei divina é impressa no nosso coração e assim, como continua o profeta, no vers. 34, não será mais necessário ensinar ao próximo, ao irmão: aqui está Deus, porque “todos me reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor.”

A missão de Cristo foi demonstrar que os seus seguidores devem ser fiéis à nova aliança e ser obedientes ao Pai, assim como Ele o foi em todos os momentos. Na segunda leitura, extraída da Carta aos Hebreus, lemos: “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte.” (Heb 5, 7) Esta mesma mensagem está contida no evangelho de João (12, 27), quando Cristo comenta com os discípulos: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? `Pai, livra-me desta hora!'? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.” E nós todos conhecemos a célebre oração de Cristo no Getsêmani: 'Pai afasta de mim este cálice, porém, não se faça a minha vontade, e sim a Tua.' E complementando este pensamento, retornamos ao texto da Carta aos Hebreus (5, 8): “Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu.” Nesses trechos, nós podemos perceber claramente os dois conceitos integrados de fidelidade e obediência. Na sua natureza humana, Cristo se sentia angustiado, porque sabia que os dias maus estavam se aproximando, mas tinha consciência de que era para isso que Ele tinha vindo, então a sua missão deveria ser cumprida até o fim.

Essas leituras, selecionadas para o último domingo da quaresma, quando se aproximam as comemorações da paixão, morte e ressurreição de Cristo, servem também como reforço teológico para que não caiamos nos mal entendidos das antigas heresias, como por exemplo, os gnósticos que afirmavam que Cristo, sendo Deus, não poderia sofrer e assim a crucificação de Cristo teria sido uma espécie de encenação, pois Ele não estaria sofrendo realmente. Ora, meus amigos, o evangelista João faz questão de expor um longo diálogo de Cristo explicando aos seus discípulos o que iria ocorrer com Ele e ainda que tipo de morte Ele teria de padecer (Jo 12, 23-27), exatamente para que ninguém viesse a ter dúvidas de que o padecimento de Cristo, além de ter sido real, foi ainda mais agravado porque Ele, sendo Deus, sabia antecipadamente de tudo pelo que ia passar, o que aumentava ainda mais o seu sofrimento. Sabia também que os discípulos iriam duvidar dele, sabia dos sofrimentos que isso iria trazer a Maria, tudo se acumulava na sua cabeça. Daí João ter relatado que Ele disse: “Agora sinto-me angustiado.” Cristo estava em plena esta da Páscoa, em Jerusalém, mas ainda não havia chegado a sua hora. Contudo, na sua mente, com certeza, todo o drama já estava acontecendo.

Essa leitura do evangelho de João também registra que alguns gregos, mesmo antes dos padecimentos de Cristo, já demonstravam interesse por sua doutrina. Tanto assim que, sabendo da sua presença em Jerusalém naqueles preparativos para a Páscoa, mas não sabendo quem era Ele, pediram a Felipe que lhes apresentasse. É o que lemos em Jo 12, 20-21: “Havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e disseram: 'Senhor, gostaríamos de ver Jesus.'” Lembremo-nos de que o evangelho de João foi escrito por volta do ano 100, bastante depois dos outros três, e nessa ocasião, tanto Paulo como os demais discípulos já haviam sido martirizados. João quer mostrar que o interesse dos gregos pelo cristianismo não começou com o trabalho apostólico de Paulo. É indubitável que foi Paulo o grande propagador do cristianismo no mundo da cultura grega. Mas João está aí afirmando que, mesmo antes da paixão e morte de Cristo, os gregos já demonstravam interesse em conhecê-Lo, certamente por já terem ouvido falar de sua doutrina.

A bem da verdade, conforme já comentei aqui em tópicos anteriores, às vezes a tradução pode atrapalhar o entendimento da mensagem. No caso do evangelho de João, em comento, a alusão aos 'gregos' que tinham ido a Jerusalém é uma correção da tradução latina de São Jerônimo, que na vulgata registrou a palavra 'gentiles' como se fosse correspondente à palavra grega 'helénes'. De fato, gentiles (gentios) e helénes (helênicos, gregos) não são gramaticalmente sinônimos, mas no contexto doutrinário do novo testamento, são equivalentes. Mas não apenas os gregos eram gentios, porque havia também os samaritanos, com quem os judeus não se comunicavam, e que também assim consideravam. Mas esta tradução da CNBB resgata o sentido original do texto joanino, que fez referência aos helênicos especificamente e não aos gentios em geral.

Nesta mesma leitura de João ( 12, 31) lemos uma frase bem enigmática, que está assim traduzida no texto da CNBB: “agora o chefe deste mundo vai ser expulso”. O 'chefe' deste mundo? Quem seria este? Recorrendo ao texto da vulgata de São Jerônimo, temos a expressão 'princeps huius mundi', que já dá outra conotação ao texto: 'o príncipe deste mundo'... não me parece que a palavra 'chefe' seja uma tradução boa para 'princeps'. Se observarmos o texto grego, vamos ter: 'ó arkhon tou kosmos', então vemos que o original é arkhon, palavra que para os gregos significava o arconte, ou seja, um magistrado, um tirano de Atenas. Vemos então que João quer se referir a alguém poderoso ou ao próprio poder que ele exerce. Então, poderemos concluir que João se referia ao poder que reina no mundo, qual seja, o poder do mal. Cristo estava profetizando que, com o seu sacrifício, a tirania do mal seria derrotada. E prossegue no vers. 32: “e Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a Mim.” João conclui: ele estava se referindo ao modo como deveria morrer. E eu penso que podemos concluir mais além: literalmente, ele estava profetizando que a Sua cruz passaria a ser o símbolo maior da vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte. E que a Sua cruz estaria presente em todos os cantos do mundo.

Prezados confrades, no próximo domingo, iniciaremos a semana santa. As leituras deste domingo nos colocam no limiar dessas singulares comemorações que, embora celebradas todos os anos, nunca são repetidas. Ou pelo menos, nós não podemos nunca pensar que se trata de mera repetição. A mensagem de Cristo se renova a cada vez e a cada vez nos desafia, como seus verdadeiros seguidores, a imitá-Lo na fidelidade e na obediência ao plano de Deus em cada um de nós, ao pleno desenvolvimento da nossa missão. Que Ele nos transmita ao menos um pouco da sua extraordinária força.


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