COMENTÁRIO LITÚRGICO
– DOMINGO DA PÁSCOA – 08.04.2012 - RABONI
Estamos mais uma vez no domingo da Páscoa. Neste ensejo, completa-se um ano desses comentários que venho escrevendo sobre a liturgia dominical. Não é um ano pela contagem civil, que só completará em 24 de abril, porque a Páscoa do ano passado foi um pouco mais tardia, mas um ano pelo calendário litúrgico. Para mim, tem sido uma ocasião de perene aprendizado e de recordação de assuntos estudados e leituras realizadas nos anos 70, quando cursei teologia no Seminário da Prainha. Tem me servido de apoio muito importante as lições recebidas do Padre Luiz Uchoa, que era nosso professor de Bíblia, através de quem aprendi muitas coisas das que publico aqui. Sou muito grato a todos os caros Confrades que me dão a honra de ler essas lucubrações que escrevo. Digo isso, porque de fato, eu não imagino que esteja fazendo nenhuma homilia ou palestra sobre o assunto, apenas tento coordenar as idéias e as escrevo aqui, como se estivesse pensando em voz alta. Alguns colegas enviam respostas frequentemente, outros esporadicamente, outros não se manifestam, mas também nenhum de vcs ainda me pediu pra parar de fazer isso, por isso continuo a escrever. As opiniões manifestadas por aqueles que enviam comentários me animam a continuar.
Neste domingo da Páscoa, a palavra chave, palavra mestra, palavra de ordem, poderosíssima é uma só: Ressurrexit - Ressuscitou. Meus amigos, esta é uma palavra muito forte, a mais poderosa que qualquer um de nós pode pronunciar. Ressuscitar significa vencer a morte, aquela força contra a qual nenhum poder humano resiste. E no entanto, Jesus ressuscitou e nos deu a promessa certa de ressuscitarmos com Ele. E aqui, parafraseando o apóstolo Paulo, em 1 Cor 15, 14: se Cristo não ressuscitou, inútil é a nossa fé, somos as pessoas mais miseráveis deste mundo, por acreditarmos numa falácia. Mas não, diz ele, Cristo realmente ressuscitou e é por isso que nós estamos aqui, e é por isso que nós cremos e mantemos a certeza de que nós também venceremos a morte, da mesma forma como Ele fez.
Na noite de ontem (sábado), eu ajudei na solenização da festa da Vigília Pascal, na Paróquia onde frequento. É a cerimônia litúrgica da Semana Santa que me dá mais satisfação de participar, apesar de ser sempre muito demorada. Ontem, demorou três horas, mas eu confesso que não sinto esse tempo passar. Os atos litúrgicos são tão ricos e simbólicos, que ao vc concentrar-se neles, não percebe a duração. O canto do Exultet (Proclamação da Páscoa), as leituras que vão desde a narração da criação até as profecias de Isaías e Baruc e depois o evangelho de João, que narra a chegada das mulheres e dos discípulos ao túmulo e encontram a pedra removida... eu fico imaginando a cara de espanto, preocupação e perplexidade de todos eles quando encontram a tampa afastada, os lençóis na posição (sem terem sido afastados), só o que estivera sobre a sua cabeça estava enrolado na lateral. E o anjo que anunciou: Ele não está mais aqui, ressuscitou como havia dito. Então, como se diz no popular, 'caiu a ficha' deles e ficaram pensando: ah, foi por isso que ele falou tal coisa... foi isso que ele quis dizer... Eu li um comentário explicando que o verbo grego traduzido por 'deixados', quando o texto fala que os panos estavam deixados, quer dizer que o lençol que recobria o corpo de Cristo estaria com a forma produzida pelo Seu corpo, mas sem nada por baixo, oco, conservando apenas o aspecto figurativo de um corpo deitado. Ou seja, na ressurreição, Cristo não se levantou e afastou o lençol, como é comum cada um de nós fazer quando se levanta da cama, puxando o lençol para um lado. Ele simplesmente 'saiu' daquele ambiente, Seu corpo físico, podemos dizer, se desintegrou sem alterar o estado do lençol que o recobria. Talvez seja essa a origem da imagem do Santo Sudário. Nessa 'desintegração' física, o corpo do Senhor deixou no lençol a marca indelével de sua figura, que ainda hoje é motivo de estudos e debates por crentes, não crentes, cientistas e curiosos.
Merece um destaque especial a participação de Maria Madalena neste episódio. Ela chegou ainda de madrugada, com escuro, e vinha pensando como fazer para afastar aquela grande pedra da entrada. De longe, ela viu que a pedra tinha sido afastada e se assustou, nem continuou, mas voltou para dizer isso a Pedro e João, que ainda estavam no caminho. Então, João e Pedro saíram correndo pra conferir isso, e João por ser mais jovem correu mais e chegou primeiro, e viram que de fato a pedra não estava no lugar. Receberam o aviso do anjo e ficaram ali a maturar sobre o caso. Mas Maria caiu no choro, parecia que não tinha acreditado no anjo, quando ouviu uma voz a lhe pergungar: Mulher, por que choras? Sigamos as palavras do evangelista João, em 20, 15:"Mulher, por que choras? A quem procuras? Ela, julgando que fosse o jardineiro, respondeu-lhe: Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e eu o levarei. Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, virando-se, disse-lhe em hebraico: Raboni! - que quer dizer, Mestre." Imaginemos a cara de Maria Madalena nessa hora, um misto de surpresa, medo e felicidade. E agora imaginemos a cara de 'ciúme' dos apóstolos quando ela chegou pra eles e disse: "Vi o Senhor" (Jo 20, 18). Jesus apareceu a Maria Madalena antes deles... percebamos que grande privilégio o dela. Aqueles teólogos e fiéis que afirmam que não pode haver sacerdotisas no catolicismo porque Cristo só escolheu homens como apóstolos é porque, com toda certeza, nunca refletiram sobre a importância e o privilégio de Maria Madalena. Sem falar nas outras mulheres que acompanharam Jesus de perto em toda a via sacra, exatamente no momento em que os discipulos (homens) tinham fugido e se escondido. Mas elas estavam lá, até o fim. No cap. 20 de João, acima referido, ele fala apenas em Maria Madalena. Mas no cap. 16, 1 de Mateus, lêem-se os nomes de outras mulheres: "Quando passou o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé, compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus." Podemos deduzir que havia no grupo um número bem maior de mulheres do que o rol de nomes que consta no texto bíblico. E as mulheres também estavam no Cenáculo, juntamente com Maria Mãe de Jesus, quando desceu o Espírito Santo. Portanto, meus amigos, a tradição católica tem uma grande dívida de reconhecimento dessas valorosas mulheres que acompanharam toda a trajetória de Jesus, sendo fiéis até os instantes finais e mesmo depois da Sua morte, e bem assim como todo o trabalho que elas desenvolveram nas primeiras comunidades cristãs. Segundo os evangelhos não incluídos no cânon bíblico, Maria Madalena era líder de uma fervorosa comunidade cristã primitiva e tinha uma liderança reconhecida por todos, o que era motivo de picuínas e caras feias por alguns apóstolos, especialmente Pedro e Paulo. Mas isso é uma outra história.
Voltemos à palavra chave da festa pascal: Ele Ressuscitou ! No sermão da missa da Vigília Pascal, o celebrante (Mons. Manfredo Ramos) fez uma interessante referência a Santo Atanásio, que foi bispo de Alexandria no séc. IV, que dizia: a Páscoa não é celebrada apenas no domingo da ressurreição, mas eu todos os 7 domingos do período pascal. Não se diz 2º domingo depois da páscoa, 3º domingo depois da páscoa, etc, mas 2º domingo, 3º domingo da páscoa, os sete domingos formam uma só e grande páscoa. De fato, a páscoa é uma festividade de uma dimensão tal que teria sua importância diminuída se ficasse reduzida a apenas um domingo celebrativo. Se observarmos bem, a páscoa é a memória central que se celebra em todos os domingos do ano, sendo que neste período tem uma referência especial.
Todos os anos, nós celebramos a festa da Páscoa e este é sempre um momento forte de recarregar a nossa fé e a nossa esperança. No século XIX, os exegetas racionalistas protestantes tentaram fazer uma 'interpretação' científica da Bíblia, retirando todas as referências sobrenaturais a milagres, procurando encontrar explicações científicas para estes. Jesus poderia ter sido um grande mágico, um grande prestidigitador, um grande parapsicóloco, um grande físico ou químico ou biólogo, etc... mas essa tentativa esbarrou num fato inexplicável: a ressurreição. Nunca, em tempo ou lugar algum, se ouviu qualquer notícia ou testemunho de algo semelhante, ou seja, de alguém que tivesse morrido verdadeiramente e depois, pelas suas próprias forças, tivesse voltado a viver. E ficaram num dilema: ou afirmariam que todas aquelas pessoas que testemunharam esses fatos eram loucas (o que seria absolutamente irrazoável e insensato) ou então acreditariam que eles falaram a verdade. E pararam o trabalho por aí.
Meus amigos, vale lembrar aqui o que Cristo disse a Tomé: tu acreditaste porque viste; bem aventurados os que não viram e, no entanto, creram. Jesus está nos chamando de bem aveuturados. Poderia haver elogio maior? principalmente se considerarmos de quem esse elogio partiu? Ora, só temos motivos e mais motivos para nos alegrarmos com todas essas realidades que a fé cristã nos traz e que a pura razão ou a mais elevada ciência jamais conseguirá alcançar. Celebremos, portanto, de verdade a nossa páscoa com o nosso testemunho sincero nas labutas do dia a dia.
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