COMENTÁRIO LITÚRGICO
– DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR – 01.04.2012
A liturgia deste
domingo celebra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, por
ocasião dos preparativos para a páscoa judaica. Já vimos nos
domingos passados que não foi esta a primeira vez que Ele foi a
Jerusalém nesse período, porém, nesta vez, como Ele já sabia que
estava na Sua hora, as coisas ocorreram de forma diferente, com maior
festejo. Ele sabia que os chefes dos sacerdotes estavam aguardando
uma oportunidade para prendê-Lo, então Ele não chegou
discretamente, mas o fez de forma a chamar a atenção dos inimigos.
Quem assistiu àquele
filme (que foi inicialmente uma peça teatral exibida em Nova York)
Jesus Cristo Superstar deve lembrar de como o diretor do filme
retrata esse momento. Os chefes dos sacerdotes estavam espreitando a
procissão que O vinha conduzindo e comentando entre eles: Ele é
perigoso. Mas eles não podiam simplesmente prendê-Lo diante da
multidão, porque isso ocasionaria uma revolta popular, ela preciso
encontrá-Lo em um local reservado, para isso precisaram da ajuda de
Judas, para indicar onde Ele estaria longe do povo.
A principal leitura
deste domingo é a da paixão, no entanto, há a leitura opcional do
evangelho de Marcos, onde ele narra os detalhes da entrada de Jesus
em Jerusalém. Foi o próprio Jesus quem pediu aos discípulos para
irem buscar um jumentinho, indicando precisamente onde o
encontrariam. Depois de três anos pregando pelos territórios da
Judéia, Galiléia, Samaria, Jesus tinha adquirido um número
bastante grande de admiradores, embora nem todos fossem seguidores. E
adquiriu também, óbvio, um outro número de inimigos, exatamente
dentre aqueles para quem Ele veio confirmar a antiga aliança: os
líderes do povo judeu.
Desde tempos
imemoriais, a festa da páscoa era celebrada entre os povos
orientais, sempre coincidindo com o início do período das
colheitas, que no hemisfério norte corresponde à chegada da
primavera. A saída dos hebreus do Egito, por volta de 1.800 anos
antes de Cristo, já ocorrera numa dessas celebrações pascais,
quando os umbrais das portas foram tingidas com o sangue do cordeiro.
A escolha de Jesus para se apresentar aos seus inimigos, sabendo que
eles iriam matá-Lo, foi também propositalmente direcionada para o
período da páscoa judaica, porque Ele, sendo o novo cordeiro, iria
ser imolado na mesma situação do primeiro cordeiro, que assinalou a
libertação dos cativos do Egito. Geograficamente, esta data está
referenciada com a primeira lua cheia após a passagem do equinócio
da primavera (no hemisfério norte, pois para nós, é o equinócio
do outono). O equinócio, evento geográfico que significa a mesma
duração do dia e da noite, ocorre entre os dias 20 e 21 de março
de cada ano. Se observarmos o calendário deste ano, veremos que a
primeira lua cheia após o equinócio ocorrerá no dia 6 de abril, ou
seja, cairá numa sexta feira. Este seria o dia da páscoa, pelo
calendário judaico antigo. Mas como nós celebramos a páscoa sempre
num domingo, então, o dia para nós será 8 de abril. A páscoa é a
única data comemorativa que ainda nos dias de hoje se rege pelo
calendário lunar.
No conjunto das
leituras deste domingo, chama a atenção a precisão profética de
Isaías, quanto aos sofrimentos que iriam castigar o Messias. No cap
15, vers 6, o texto não podia ser mais claro: “Ofereci as costas
para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o
rosto de bofetões e cusparadas. ” O mesmo se pode dizer em relação
ao salmista, no Sl 21: “Cães numerosos me rodeiam furiosos, e por
um bando de malvados fui cercado. Transpassaram minhas mãos e os
meus pés e eu posso contar todos os meus ossos. ” No período
quaresmal, é constante a leitura de trechos de Isaías, porque este
profeta foi o que expressou com mais clareza os sofrimentos do
cordeiro. E era também o texto que Jesus mais gostava de citar,
quando se referia aos antigos profetas.
Meus amigos, todos os
anos, a liturgia do domingo de ramos repete estas cenas e leituras,
nós que somos habituais em frequentar a missa talvez até já
saibamos de cor esses trechos. Qual o significado, então, dessa
repetição, o que a liturgia da Igreja nos transmite com essas
cerimônias da Semana Santa, em especial, do Tríduo Pascal a cada
ano? Ora, nós sabemos que cada missa celebrada é uma realização
da vontade de Cristo, que disse: todas as vezes, que fizerdes isso,
fazei-o em minha memória. Portanto, não apenas na Semana Santa se
celebra a morte e ressurreição de Cristo, mas em cada missa se faz
isso. É o que nós rezamos após a consagração: anunciamos a Tua
morte e proclamamos a Tua ressurreição... ou seja, em cada missa,
temos uma síntese do Tríduo Pascal.
Concluímos, então,
que a celebração destacada dos fatos históricos centrais
relacionados com o mistério da salvação, que acontece na Semana
Santa, tem o sentido pedagógico de nos lembrar de que, em cada missa
que é celebrada, em qualquer lugar do mundo, a nossa salvação está
se renovando. A liturgia da Semana Santa vem nos proporcionar um
tempo mais específico e demorado para meditarmos nesse mistério,
cuja memória ocorre em todos os lugares e muitas vezes por dia. Mas
certamente pela constante repetição, podemos nos inclinar a não
levar na devida consideração o conjunto desses fatos.
A tradição popular
que cerca a sexta feira santa é por demais emotiva e deprimente. É
comum verem-se pessoas chorando durante a Via Sacra. Mas não é esse
o objetivo da comemoração litúrgica. De fato, Jesus não morre
mais, isso aconteceu uma vez para sempre. A memória da sexta feira
santa deve ser celebrada na perspectiva do conjunto dos atos
litúrgicos que evoluem para a vigília pascal e depois para o
domingo da Páscoa. A morte de Cristo celebrada na sexta feira santa
é, como o catecismo ensina, de forma incruenta, isto é, sem
derramamento de sangue. Ora, assim é também em todas as missas,
sejam elas na semana santa ou durante o restante do ano. Não
devemos, pois, encarar com sentimentalismos o tríduo pascal, mas com
os olhos da fé esclarecida, que não separa a paixão e morte de
Cristo da sua ressurreição.
A propósito da sexta
feira santa, eu li hoje que o Papa, em visita a Cuba, solicitou ao
governo que decretasse feriado nesta sexta feira, ao que o governo
cubano aquiesceu, e então depois de mais de 50 anos (desde 1960), a
sexta feira santa será feriado em Cuba, o que está sendo visto
pelos observadores como um sinal de significativa mudança para os
católicos cubanos. Pode ser este o reinício das tradições
religiosas interrompidas com o governo de Fidel, o que denota também
o grande prestígio do Papa.
Então, meus amigos,
devemos aproveitar os feriados da semana santa não como ocasião
para viagens e diversões extras, mas para reflexão sobre o mistério
da nossa redenção, vivenciado historicamente na paixão/ressurreição
de Cristo e revivenciado liturgicamente em cada missa que se celebra,
com especial acento nesta semana que estamos iniciando.
Eu ainda hoje me lembro
de uma oração que aprendi no Noviciado, a qual rezo sempre que
entro no templo: Nós Te adoramos, santíssimo Senhor Jesus Cristo,
aqui e em todas as igrejas que estão em todo o mundo e Te bendizemos
porque pela tua santa cruz redimiste o mundo.
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