COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 32º DOMINGO COMUM – A CRENÇA NA VIDA ETERNA – 10.11.2013
Caros Confrades,
Neste 32º domingo
comum, a liturgia ainda repercute a celebração dos fiéis defuntos,
trazendo como tema a crença na vida eterna. Esse assunto sempre foi
motivo de polêmica desde os povos mais antigos, encontrando
defensores e opositores. Na Grécia antiga, os pitagóricos e os
órficos acreditavam na vida após a morte e afirmavam a
possibilidade da comunicação com os mortos, no que eram
vigorosamente combatidos pela política oficial. Na cultura romana, a
crença na vida após a morte estava presente nas tradições
familiares, com os deuses “lares” e “penates”. Na tradição
cristã, observam-se divergências não propriamente na crença na
vida eterna, mas na forma de prestar culto aos mortos. O catolicismo
tem como sua principal fonte doutrinária sobre esses rituais os dois
livros de Macabeus, porém os protestantes consideram esses livros
como apócrifos e discordam da doutrina católica. A primeira leitura
da liturgia de hoje traz um trecho do segundo livro de Macabeus (7,
1-14);
Antes, uma breve
explicação. O nome Macabeu era o apelido dado a Judas, filho de
Matatias, que foi sucessor daquele no comando do exército rebelde de
Israel, no tempo em que o povo hebreu estava dominado pelos
selêucidas. Não eram escravos, mas eram submissos politicamente ao
rei Antíoco. O grande problema trazido por essa dependência dizia
respeito à não observância da lei de Moisés, por imposição dos
dominadores. Matatias organizou um exército formado por pessoas que
não concordavam com essa dominação e permaneciam fiéis à lei
mosaica, e enfrentou o exército do opressor com tática de
guerrilhas, vencendo sucessivamente até retomar Jerusalém e fazer a
rededicação do Templo, que havia sido profanado. Com a morte de
Matatias, assumiu o comando das tropas o filho dele de nome Judas,
que por suas atitudes sempre firmes e exitosas foi apelidado de
“macabeu”, que significa “martelo”. Ele era o martelo que
detonava sobre as cabeças dos inimigos. Os dois livros de Macabeus
não estão na Bíblia hebraica, mas seu conteúdo é considerado de
grande valor histórico, por relatar um período importante da
história de Israel. A Igreja Católica o colocou no seu cânon,
tendo sido esse um dos motivos do “protesto” de Lutero.
O trecho lido na
liturgia de hoje, narra o episódio em que uma mulher e seus sete
filhos, que eram fiéis seguidores do judaísmo, e foram levados à
presença do rei, que os obrigara a comer carne de porco, o que era
proibido pela lei de Moisés. Todos se recusaram e foram assassinados
um após o outro, inclusive a mãe deles. Mas, à parte essas cenas
sangrentas, o objetivo da leitura é demonstrar a fé que essa
família tinha na vida eterna. Todos deram testemunho perante o rei
selêucida e seus comparsas sobre a fidelidade à lei de Moisés,
preferindo a morte a transgredir a lei. Diz a leitura que o rei e
seus acompanhantes ficaram admirados com a coragem de um dos filhos
da viúva, um adolescente, que ao ser torturado, fez uma emocionante
profissão de fé: “E
disse, cheio de confiança: 'Do Céu recebi estes membros; por causa
de suas leis os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo'.
” (2Mc 1, 11) Não faz parte do trecho lido, mas o redator destaca
que a mãe deles os incentivou a cada um para que se mantivessem
firmes na fé, confiantes na promessa da vida eterna. A tradição
não guardou os nomes desses heróis do judaísmo, mas o seu exemplo
continua edificante. Comer a carne de porco podia parecer algo
insignificante, se comparado ao resultado que os esperava, mas a sua
firmeza na fé era tamanha que suportaram todos os suplícios, para
não violarem a lei. Por falar nisso, ainda hoje, entre os
protestantes, a carne de porco é um alimento proibido, em obediência
à lei de Moisés. A hermenêutica teológica católica não
recomenda essa interpretação restrita e literal dos textos
sagrados, devendo o fiel dar preferência à mensagem neles contida.
A segunda leitura é
retirada da carta de Paulo aos Tessalonicenses (2Ts 2,16-3,5).
Conforme os biblistas, a primeira carta aos fiéis de Tessalônica
teria sido uma das primeiras escritas por Paulo. Naquela cidade,
Paulo teve um entrevero com os judeus, o que o obrigou a fugir de lá
para não sofrer violência deles. Daí por que, na segunda carta,
Paulo escreveu assim: “Rezai
também para que sejamos livres dos homens maus e perversos pois nem
todos têm a fé! Mas o Senhor é fiel; ele vos confirmará e vos
guardará do mal.” (2Ts
3, 2-3) Essa polêmica com os judeus de Tessalônica fez com que
circulassem por lá boatos sobre uma carta falsa de Paulo, que teria
chegado depois. Por esse motivo, a segunda carta aos Tessalonicenses
tem sua autoria posta em dúvida por alguns estudiosos protestantes,
porém entre os teólogos católicos, tais dúvidas não são
relevantes. A grande questão se situa no fato de que, na primeira
carta, Paulo falava que Cristo estava para voltar, o que fez os
tessalonicenses interpretarem como se isso fosse ocorrer naqueles
dias. Alguns até ficaram sem trabalhar e sem fazer mais nada, só
esperando o retorno de Cristo. Na segunda carta, Paulo os tranquiliza
dizendo que a vinda de Cristo não seria assim de surpresa, porém
antecedida por muitos sinais. Os dissidentes encontram nessas duas
passagens motivos para duvidar da sua autenticidade, como se Paulo
estivesse ensinando doutrinas diferentes. Ao meu ver, essa polêmica
é resultado da interpretação puramente literal dos textos, sem a
necessária contextualização histórica. A relação com o tema
litúrgico está justamente na exortação de Paulo para que todos
perseverem firmes na fé, esperando a nova vinda de Cristo.
Na leitura do
evangelista Lucas (20, 27-38), vemos Jesus explicar aos saduceus a
doutrina da ressurreição, sobre a qual eles duvidavam e colocavam
questões. Os saduceus eram os judeus da aristocracia, aqueles que
ocupavam os cargos políticos mais elevados, inclusive como membros
do Sinédrio. Apoiavam os romanos e preocupavam-se mais com a
política do que com a religião. Diferentemente dos fariseus, que
sempre tentavam colocar Jesus em dificuldades, os saduceus foram
interrogá-lo sobre a doutrina da ressurreição, porque compreendiam
a vida eterna da mesma forma como a vida atual. Jesus vai, então,
explicar que após a morte “os
que forem julgados dignos da ressurreição dos mortos e de
participar da vida futura, nem eles se casam nem elas se dão em
casamento (27,
35)“, isto é, a vida
futura não pode ser comparada com as relações da vida terrena. E
faz lembrar a eles, que assim como os fariseus, também cumpriam à
risca a lei de Moisés, que a doutrina da ressurreição já está
presente na Torah, basta eles entenderem: “Que
os mortos ressuscitam, Moisés também o indicou na passagem da
sarça, quando chama o Senhor de 'o Deus de Abraão, o Deus de Isaac
e o Deus de Jacó'. ” (Lc
27, 37) Ou seja, o Deus de Israel não é Deus dos mortos, mas dos
vivos. Abraão, Isaac e Jacó estão vivos em Javeh porque
ressuscitaram. Embora não tenha utilizado essa palavra, no entanto,
Moisés já ensinara sobre a ressurreição. Portanto, o que Jesus
estava dizendo não era uma coisa nova, inventada por ele, mas algo
que já estava contido na lei mosaica, bastando uma leitura mais
atenta e com a mente mais aberta.
Meus amigos, essa
doutrina da vida eterna, da ressurreição, é um dos pontos chaves
do cristianismo. Paulo foi muito enfático em 1Cor 15, 14, quando
afirmou que se Cristo não ressuscitou, vã é a nossa fé. A
ressurreição de Cristo é a chave para a nossa crença na vida
eterna. No Antigo Testamento, a vida futura era apenas presumida, por
conta da aliança e da promessa de Javeh, motivo pelo qual os hebreus
acreditavam que os seus Patriarcas permaneciam vivos e Moisés
ensinou isso na sua pregação. Mas no Novo Testamento, com a
ressurreição de Cristo, essa crença é confirmada por inúmeros
fatos e testemunhos do seu aparecimento e da catequese que ele
continuou a ministrar aos apóstolos, até o dia de Pentecostes. A
partir da ressurreição de Cristo, a crença na vida eterna não é
apenas uma presunção, mas uma verdade que inclui uma certeza de que
aqueles que forem fiéis ao Evangelho também ressuscitarão. Daí
porque os livros de Macabeus são postos no rol dos livros canônicos,
por uma questão de coerência doutrinária. Na liturgia deste
domingo, essas leituras são colocadas em conjunto para mostrar a
compatibilidade entre elas acerca desse polêmico tema. Porém,
devemos estar atentos à exortação de Jesus aos saduceus: na vida
eterna, as relações pessoas serão de outra ordem, para isso, não
servem de parâmetros as regras sociais de convivência entre as
pessoas. Lá, todos serão iguais a anjos (Lc 27, 36), por esse
motivo a doutrina do espiritismo não se coaduna com a doutrina
católica sobre a vida eterna, por fazer uma simples transferência
dos modos relacionais na vida terrena e na vida espiritual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário