domingo, 1 de dezembro de 2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 1º DOMINGO DO ADVENTO - VIGILÂNCIA E PRONTIDÃO - 01.12.2013

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 1º DOMINGO DO ADVENTO – VIGILÂNCIA E PRONTIDÃO – 01.12.2013

Caros Confrades,

Como ocorre em todos os anos, a liturgia do 1º domingo do advento dá início ao ano litúrgico seguinte ao ano civil, de acordo com o calendário eclesiástico. As últimas quatro semanas do ano civil já são, na verdade, as primeiras semanas do novo ano litúrgico, assim como acontece com os calendários religiosos dos povos mais antigos, que fica desencontrado do ano civil padrão.

Lamentavelmente, a celebração do Natal vem se transformando, a cada ano, em um evento comercial, tempo de grande estímulo para consumir o que nem se necessita. Muito embora a tradição de montar os presépios continue, a sua utilização visa muito mais aos fins comerciais do que às verdadeiras finalidades religiosas. Sem falar em que alguns, mais céticos, criticam a escolha da data, porque a festa pagã que foi substituída pela comemoração do Natal era uma festa romana, dedicada ao deus saturno (saturnália), que se prolongava por uma semana, indo do dia 17 ao dia 24 de dezembro, período em que ocorre o solstício de inverno no hemisfério norte. Era uma espécie de festa carnavalesca, como a nossa cultura celebra no período que antecede a quaresma, com muitas bebedeiras e licenciosidades. Somente a partir do século IV d.C., após a conversão do imperador Constantino e a liberdade religiosa instituída por ele, a festividade foi transformada em homenagem ao Natal do Senhor. Portanto, a festa do Natal e a sua celebração no dia 25 de dezembro não se refere à data do nascimento de Cristo, mas apenas é uma festa comemorativa. A rigor, não se sabe a data em que Cristo nasceu e a data referencial do ano Zero também é contestada por recentes pesquisas.

Digo isso porque existem muitas crenças e tradições não apoiadas em documentos e que sempre foram ensinadas como verdadeiras, tendo-se incorporado à nossa cultura há tempos. A existência de Jesus é fato documentado por historiadores da época, que nem eram ligados ao cristianismo. Porém as datas referentes aos eventos principais da sua vida estão envoltas em discussões e incertezas. O ano litúrgico, portanto, se constitui com datas e períodos que só simbolizam os fatos comemorados, não devendo ser tomadas essas datas como corretas do ponto de vista histórico. Isso, porém, em nada compromete a grandeza e a importância das festas que comemoramos nessa época do ano. Como autênticos cristãos, devemos nos esforçar para romper o esquema comercial que se incorporou ao Natal e celebrar o tempo do advento com o espírito de verdadeira conversão, pensando na vinda do Senhor.

As leituras litúrgicas deste primeiro domingo recomendam a vigilância e a prontidão, porque ninguém sabe o dia em que o Senhor virá. A primeira leitura, de Isaías (Is 2, 1-5) narra uma visão tida pelo Profeta sobre Jerusalém: de lá, vem a palavra do Senhor. Para lá, acorrerão as nações e os povos todos. A visão do Profeta se aplica, nos dias de hoje, à Igreja de Cristo, firmemente estabelecida no monte da casa do Senhor, referindo-se ainda, numa visão de futuro, à Jerusalém celeste, onde se encontra Cristo ressuscitado. O Cristo que nasce menino na festividade do Natal é o mesmo que se encontra glorioso na Jerusalém celeste. O simbolismo do seu (re)nascimento a cada ano nos convida a também internamente reavivar em nós mesmos o cristão que se formou em nosso íntimo pelo batismo e que se consolidou na nossa formação religiosa, pela qual somos chamados a dar testemunho dos ensinamentos que recebemos. No advento, a cada ano, Cristo quer renascer em cada um de nós, para isso, Ele requer nossa disponibilidade e nossa participação. O verdadeiro natal é o que deve ocorrer no coração de cada crente, onde devemos montar o verdadeiro presépio para acolher o que vai nascer. A Belém dos nossos dias deve ser encontrada no coração de cada cristão, que se prepara para celebrar a festa do Natal. Daí o tema deste domingo ser a vigilância.

A segunda leitura é da Carta aos Romanos (Rm 13, 11-14), na qual Paulo exorta os cristãos de Roma para que se dispam das ações das trevas e se revistam das armas da luz. E, com certeza fazendo referência às festas da saturnália, recomenda: “Procedamos honestamente, como em pleno dia: nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades.” (Rm 13, 13) Tudo isso era o que realmente as pessoas faziam naquelas festas pagãs. Porém, os cristãos não devem proceder iguais a eles, mas devem dar o exemplo de filhos da luz. Recordemo-nos que Paulo pregava em Roma nos tempos de Nero, quando o cristianismo era uma religião proscrita e os cristãos eram tidos como inimigos do Estado Romano, precisando reunir-se às escondidas, para a celebração dos seus cultos religiosos. Paulo pregava nas catacumbas e apenas secretamente visitava as residências dos cristãos romanos, correndo o risco de ser denunciado e preso, como de fato o foi por diversas vezes. Mas o risco valia a pena, porque divulgar o cristianismo em Roma, a capital do mundo de então, significava muito para a propagação de sua doutrina. A prova está em que, quando Constantino decretou a liberdade religiosa, grande parte da comunidade romana já era adepta do cristianismo, embora às escondidas.

A leitura do evangelho é retirada de Mateus. Estamos iniciando um novo ano e a cada ano, um dos evangelhos recebe o destaque para as leituras. No ano litúrgico de 2014, o escolhido é Mateus. Então, lemos hoje o texto do cap. 24, 37 a 44, no qual Jesus fala aos discípulos sobre a sua vinda nos últimos tempos. Assim como nos tempos de Noé, quando ocorreu o dilúvio sem ninguém esperar, assim também será a vinda gloriosa de Cristo. Por isso, todos devem estar vigilantes sempre, porque na hora em que menos a gente pensa, o Filho do Homem virá. Sorrateiro como um ladrão, o Filho do Homem irá surpreender muita gente. Ninguém sabe quando será este dia, ou melhor, ninguém sabe quando será o seu dia. Nos dias atuais, a reflexão teológica prefere interpretar esses discursos escatológicos de Jesus de forma diferente do que tradicionalmente se entendia, isto é, não como um fenômeno coletivo, de proporções globais, mas como um evento privado que acontece na vida de cada pessoa. De fato, o Senhor já se encontra na sua glória e, em vez de ser Ele que venha ao nosso encontro, nós, ao contrário, é que nos dirigiremos a ele. Vejamos o texto do evangelho: “Dois homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma será levada e a outra será deixada.(Mt. 24, 40-41) Se o evento final fosse de ordem generalizada, todos seriam arrebatados simultaneamente, não faria sentido um ser levado e outro deixado. Se o final dos tempos fosse ocorrer como um grande cataclismo de proporções gigantescas, como entenderam os artistas da Renascença e assim pintaram nos seus quadros clássicos, não ocorreria de alguém ser poupado, mas a destruição alcançaria a todos. Será mais lógico concluir que essa arrebatação para prestar contas das suas ações ocorrerá em nível histórico e individual. Por isso é que cada um deve estar sempre vigilante, pois ninguém sabe o dia nem a hora em que isso ocorrerá.

Portanto, o ensinamento de Cristo para que estejamos sempre vigilantes não se refere a um tempo abstrato e indefinido, mas ao nosso tempo existencial. A nossa fé n'Ele deve ser renovada a cada dia, para que não sejamos surpreendidos, não pelo fim do mundo, porque deste nós não sabemos nada, mas pelo fim dos nossos dias, porque estes têm um prazo até certo ponto previsível. A contagem dos nossos dias em meses e anos nos dão a medida para cada um avaliar a chegada ao final da carreira, quando deveremos estar com a fé robustecida e a esperança sempre renovada. O tempo do natal é o período que a Igreja nos coloca para fazermos esta reflexão realista, não como forma de intimidação ou aterrorização, mas como exercício de viver conscientes e centrados nos nossos compromissos de cristãos.

Aproveitemos o tempo do advento para renovar a cada dia a nossa fé na sua divina promessa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário