COMENTÁRIO LITÚRGICO – 25º DOMINGO
COMUM – A JUSTIÇA E A PAZ – 23.09.2018
Caros Leitores:
Na liturgia deste 25º
domingo comum, as leituras abordam o tema da paz como fruto da
justiça. A ideia está resumida na frase da epístola do apóstolo
Tiago: “O
fruto da justiça é semeado na paz para aqueles que promovem a paz.”
(Tg 3, 18) Estamos, nesses dias, vivenciando o período de campanha
eleitoral e os ânimos se acirram, cada qual defendendo seu ponto de
vista como o melhor. Lamentavelmente, o mais comum é que as pessoas
se atenham apenas ao seu círculo mais próximo e aos seus interesses
mais imediatos, abstraindo da visão macro da sociedade, enveredando
por discussões inócuas e improdutivas, cujo objetivo parece ser
simplesmente vencer uma disputa. Esse tipo de conduta jamais se
compatibiliza com o verdadeiro objetivo da política, que é a
construção da paz através de ações governamentais justas.
Acerca do tema da
política, vale lembrar que, de uma forma simbólica e muito
oportuna, Platão colocou como subtítulo de sua conhecida obra “A
República” a expressão “sobre a justiça”, pois desde os
tempos mais remotos, os homens de bem sempre entenderam que o fruto
da justiça é a paz. Na primeira leitura litúrgica, retirada do
Livro da Sabedoria, temos uma exposição sobre o tema da justiça,
através da análise da estratégia usualmente adotada pelos ímpios
de armarem ciladas contra os justos. Outrora, assim como hoje, tal
fato sempre ocorreu. O livro da Sabedoria representa a tradição dos
sábios do povo de Israel, aqueles ensinamentos consolidados com a
prática continuada, que os mais idosos transmitiam para os mais
jovens. A presença do justo incomoda o ímpio, porque faz este ver a
própria maldade. Mesmo sem pronunciar palavras, o próprio
comportamento do justo causa desconforto às pessoas maldosas que,
por isso, buscam tramar malefícios contra o justo, armando-lhe
ciladas: “Vamos
pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e
provar a sua paciência.”
O justo incomoda o ímpio porque, para este, a paz não interessa, e
sim a realização dos seus propósitos escusos. Fazendo um paralelo
com a campanha eleitoral, parece que essas atitudes estão sempre
presentes, toda vez que entra em cena o jogo de poder da sociedade.
Os postulantes dos cargos públicos, assim como seus simpatizantes,
via de regra, precupam-se muito mais em denegrir a imagem do
oponente, do que em apresentar seus projetos e programas. Enxurradas
de acusações mútuas, ajudadas tecnologicamente com a criação dos
boatos eletrônicos, cuja origem nunca se sabe, mas muitas pessoas,
por irresponsabilidade ou esperteza, se prestam a ser agentes
distribuidores de falsas informações, contanto que aquele fato (não
importa se verdadeiro) venha a esmaecer a imagem pública do
opositor. É o grande circo da disputa pelo poder, que ocorre na
sociedade, desde que a história passou a registrar os fatos. O livro
da Sabedoria, muitos séculos atrás, já advertia: só a justiça
conduz à paz.
Na segunda leitura, o
apóstolo Tiago, nessa mesma linha de pensamento, demonstra
claramente que a origem da injustiça, dos males sociais, das
guerras, da insegurança, da violência que domina a sociedade de
hoje, em todos os países, é a equivocada busca pelo poder político
e financeiro. Diz o apóstolo: qual a origem das desavenças que há
entre vós? É porque buscais primeiros os vossos interesses. Vós
matais, invejais, maltratais e mesmo assim não conseguis o que
quereis. O vosso problema é porque não pedis. Ou melhor, pedis mal,
porque quereis somente aquilo que atende aos vossos interesses. Meus
amigos, vemos nessa admoestação do apóstolo Tiago que esses
equívocos que sufocam a humanidade atual são, na verdade, uma
problemática muito antiga. Quando Platão escreveu uma teoria do
Estado, colocando como subtítulo “a justiça”, queria ele dizer
que a finalidade do poder político é promover a justiça, pois não
era isso o que ele via na Grécia do seu tempo, governada por
tiranos, mas entendia que esse deveria ser o objetivo a ser alcançado
pelo verdadeiro Estado. Cronologicamente, Platão é bem mais antigo
do que o apóstolo Tiago, além do que ambos viveram em localidades
muito distantes uma da outra. No entanto, ambos tiveram a mesma
intuição em relação à necessidade de se praticar a justiça, a
fim de que vivamos numa sociedade pacificada. Apesar do decurso
temporal de mais de dois milênios, desde que essas lições foram
ensinadas, as pessoas que governam os povos ainda não as aprenderam
ou delas desdenham.
No evangelho de Marcos,
o evangelista continua a narração do episódio do domingo anterior,
quando Jesus ia viajando a pé para Cafarnaum, já a caminho de
Jerusalém, onde a sua missão iria se consumar, e ensinava aos
discípulos as últimas lições da sua catequese. Depois daquele
puxão de orelhas em Pedro, que foi sugerir a Jesus que não falasse
assim, porque os discípulos ficavam embaraçados, Jesus prossegue e
repete: é necessário ele eu vá a Jerusalém, onde serei torturado
e morto, mas depois de três dias, ressuscitarei. Aí, diz o
evangelista, eles não entendiam, mas ficavam com vergonha de
perguntar e especulavam sobre a situação deles, como ficaria o
grupo sem a presença de Jesus, como seria a hierarquia entre eles.
Chegando em Cafarnaum, depois de acomodados em casa (o evangelista
não diz de quem era a casa), Jesus puxou o assunto: sobre o que
vocês conversavam, enquanto estávamos caminhando? Eles ficaram
calados e não quiseram responder, com medo do carão, que com
certeza viria, pois Jesus sabia muito bem do que eles tinham
conversado. Foi quando ele reuniu os doze e repassou a lição:
aquele dentre vós que quiser ser o maior, seja o menor; o que quiser
ser o primeiro, seja o último. Convenhamos, isso embaralhava ainda
mais o entendimento deles. Como é que alguém poderia ser o
primeiro, chegando por último? Como poderia ser maior se
desvalorizando? Percebendo a confusão na mente deles, Jesus tomou
uma criança e colocou no meio deles, para servir de exemplo. Sede
como esta criança... Por que Jesus fez comparação com a criança?
Ora, naquele tempo, as mulheres e as crianças não tinham vez na
sociedade, acentuadamente machista e patriarcalista. Somente os
homens adultos tinham direitos, tinham reconhecimento. Ao colocar a
criança como exemplo, Jesus estava usando um recurso pedagógico
para dizer: o pensamento de vocês está ao contrário. De acordo com
a mentalidade dos judeus, uma criança não tinha direito a
acolhimento, ela era subjugada ao pai (nem a mãe podia ter qualquer
atitude). De acordo com a doutrina romana, que prevalecia na Galiléia
naquele tempo, o pai tinha direito de vida e de morte sobre os
filhos, sobre a esposa, sobre os servos, sobre os bois e cabritos,
todos estavam no mesmo pé de igualdade.
Então, Jesus diz: quem
não se tornar igual a uma criança, não terá lugar no Reino do
Céu... aquele que acolhe uma criança, acolhe a mim, e quem acolhe a
mim, acolhe o Pai que me enviou. Se algum de vós quer ser o
primeiro, pois que seja o servo de todos. Ou seja, Jesus estava
ensinando que a verdadeira justiça não faz distinção entre
grandes e pequenos, ele próprio estava ali se colocando como o menor
de todos. Foi o exemplo que ele deu na última ceia, quando passou o
avental na cintura e foi lavar os pés de todos. Quando Jesus disse
aos discípulos que seria preso, torturado e morto, para depois
ressuscitar, ele estava indiretamente ensinando que por mais cruéis
que sejam as maldades humanas, elas nunca superarão a justiça, a
sua ressurreição seria (e foi) uma prova disso. Fez-me lembrar
agora de uma composição de Roberto Carlos, de 1971, na qual ele
dizia: “Tanta gente se esqueceu que o amor só traz o bem, que a
covardia é surda e só ouve o que convém”, logo em seguida, ele
faz um apelo para que Jesus venha ensinar tudo de novo, porque a
humanidade ainda não aprendeu. Olhando para o que acontece ao nosso
derredor, constata-se que, de fato, tudo que Jesus ensinou ou está
sendo esquecido, ou está sendo deturpado a serviço de interesses de
grupos de indivíduos sem escrúpulo. Cada vez mais é necessário
repetir que a paz é fruto da justiça.
Para nós, cristãos, a
leitura desses textos litúrgicos vem lembrar que, ao vivermos a
nossa fé através da realização de boas obras, buscando em
primeiro lugar o Reino de Deus, estaremos contribuindo para
neutralizar a ganância do ter em demasia, do poder a qualquer custo.
E não basta apenas discursar ou conclamar os outros a fazerem, a
ação deve começar na vida concreta de cada um. Fazer é muito mais
do que falar. Na véspera de iniciar-se a novena do nosso Patriarca
São Francisco, a sua imagem e o seu exemplo continuam firmes e
eloquentes, ele que foi o gande protagonista da paz. Que ele nos
ilumine e nos inspire a fazer como ele fez com o lobo de Gubbio,
pacificando a cidade e trazendo tranquilidade aos nossos irmãos.
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