domingo, 30 de setembro de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 25º DOMINGO COMUM - 23.09.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 25º DOMINGO COMUM – A JUSTIÇA E A PAZ – 23.09.2018

Caros Leitores:

Na liturgia deste 25º domingo comum, as leituras abordam o tema da paz como fruto da justiça. A ideia está resumida na frase da epístola do apóstolo Tiago: “O fruto da justiça é semeado na paz para aqueles que promovem a paz.” (Tg 3, 18) Estamos, nesses dias, vivenciando o período de campanha eleitoral e os ânimos se acirram, cada qual defendendo seu ponto de vista como o melhor. Lamentavelmente, o mais comum é que as pessoas se atenham apenas ao seu círculo mais próximo e aos seus interesses mais imediatos, abstraindo da visão macro da sociedade, enveredando por discussões inócuas e improdutivas, cujo objetivo parece ser simplesmente vencer uma disputa. Esse tipo de conduta jamais se compatibiliza com o verdadeiro objetivo da política, que é a construção da paz através de ações governamentais justas.

Acerca do tema da política, vale lembrar que, de uma forma simbólica e muito oportuna, Platão colocou como subtítulo de sua conhecida obra “A República” a expressão “sobre a justiça”, pois desde os tempos mais remotos, os homens de bem sempre entenderam que o fruto da justiça é a paz. Na primeira leitura litúrgica, retirada do Livro da Sabedoria, temos uma exposição sobre o tema da justiça, através da análise da estratégia usualmente adotada pelos ímpios de armarem ciladas contra os justos. Outrora, assim como hoje, tal fato sempre ocorreu. O livro da Sabedoria representa a tradição dos sábios do povo de Israel, aqueles ensinamentos consolidados com a prática continuada, que os mais idosos transmitiam para os mais jovens. A presença do justo incomoda o ímpio, porque faz este ver a própria maldade. Mesmo sem pronunciar palavras, o próprio comportamento do justo causa desconforto às pessoas maldosas que, por isso, buscam tramar malefícios contra o justo, armando-lhe ciladas: “Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência.” O justo incomoda o ímpio porque, para este, a paz não interessa, e sim a realização dos seus propósitos escusos. Fazendo um paralelo com a campanha eleitoral, parece que essas atitudes estão sempre presentes, toda vez que entra em cena o jogo de poder da sociedade. Os postulantes dos cargos públicos, assim como seus simpatizantes, via de regra, precupam-se muito mais em denegrir a imagem do oponente, do que em apresentar seus projetos e programas. Enxurradas de acusações mútuas, ajudadas tecnologicamente com a criação dos boatos eletrônicos, cuja origem nunca se sabe, mas muitas pessoas, por irresponsabilidade ou esperteza, se prestam a ser agentes distribuidores de falsas informações, contanto que aquele fato (não importa se verdadeiro) venha a esmaecer a imagem pública do opositor. É o grande circo da disputa pelo poder, que ocorre na sociedade, desde que a história passou a registrar os fatos. O livro da Sabedoria, muitos séculos atrás, já advertia: só a justiça conduz à paz.

Na segunda leitura, o apóstolo Tiago, nessa mesma linha de pensamento, demonstra claramente que a origem da injustiça, dos males sociais, das guerras, da insegurança, da violência que domina a sociedade de hoje, em todos os países, é a equivocada busca pelo poder político e financeiro. Diz o apóstolo: qual a origem das desavenças que há entre vós? É porque buscais primeiros os vossos interesses. Vós matais, invejais, maltratais e mesmo assim não conseguis o que quereis. O vosso problema é porque não pedis. Ou melhor, pedis mal, porque quereis somente aquilo que atende aos vossos interesses. Meus amigos, vemos nessa admoestação do apóstolo Tiago que esses equívocos que sufocam a humanidade atual são, na verdade, uma problemática muito antiga. Quando Platão escreveu uma teoria do Estado, colocando como subtítulo “a justiça”, queria ele dizer que a finalidade do poder político é promover a justiça, pois não era isso o que ele via na Grécia do seu tempo, governada por tiranos, mas entendia que esse deveria ser o objetivo a ser alcançado pelo verdadeiro Estado. Cronologicamente, Platão é bem mais antigo do que o apóstolo Tiago, além do que ambos viveram em localidades muito distantes uma da outra. No entanto, ambos tiveram a mesma intuição em relação à necessidade de se praticar a justiça, a fim de que vivamos numa sociedade pacificada. Apesar do decurso temporal de mais de dois milênios, desde que essas lições foram ensinadas, as pessoas que governam os povos ainda não as aprenderam ou delas desdenham.


No evangelho de Marcos, o evangelista continua a narração do episódio do domingo anterior, quando Jesus ia viajando a pé para Cafarnaum, já a caminho de Jerusalém, onde a sua missão iria se consumar, e ensinava aos discípulos as últimas lições da sua catequese. Depois daquele puxão de orelhas em Pedro, que foi sugerir a Jesus que não falasse assim, porque os discípulos ficavam embaraçados, Jesus prossegue e repete: é necessário ele eu vá a Jerusalém, onde serei torturado e morto, mas depois de três dias, ressuscitarei. Aí, diz o evangelista, eles não entendiam, mas ficavam com vergonha de perguntar e especulavam sobre a situação deles, como ficaria o grupo sem a presença de Jesus, como seria a hierarquia entre eles. Chegando em Cafarnaum, depois de acomodados em casa (o evangelista não diz de quem era a casa), Jesus puxou o assunto: sobre o que vocês conversavam, enquanto estávamos caminhando? Eles ficaram calados e não quiseram responder, com medo do carão, que com certeza viria, pois Jesus sabia muito bem do que eles tinham conversado. Foi quando ele reuniu os doze e repassou a lição: aquele dentre vós que quiser ser o maior, seja o menor; o que quiser ser o primeiro, seja o último. Convenhamos, isso embaralhava ainda mais o entendimento deles. Como é que alguém poderia ser o primeiro, chegando por último? Como poderia ser maior se desvalorizando? Percebendo a confusão na mente deles, Jesus tomou uma criança e colocou no meio deles, para servir de exemplo. Sede como esta criança... Por que Jesus fez comparação com a criança? Ora, naquele tempo, as mulheres e as crianças não tinham vez na sociedade, acentuadamente machista e patriarcalista. Somente os homens adultos tinham direitos, tinham reconhecimento. Ao colocar a criança como exemplo, Jesus estava usando um recurso pedagógico para dizer: o pensamento de vocês está ao contrário. De acordo com a mentalidade dos judeus, uma criança não tinha direito a acolhimento, ela era subjugada ao pai (nem a mãe podia ter qualquer atitude). De acordo com a doutrina romana, que prevalecia na Galiléia naquele tempo, o pai tinha direito de vida e de morte sobre os filhos, sobre a esposa, sobre os servos, sobre os bois e cabritos, todos estavam no mesmo pé de igualdade.

Então, Jesus diz: quem não se tornar igual a uma criança, não terá lugar no Reino do Céu... aquele que acolhe uma criança, acolhe a mim, e quem acolhe a mim, acolhe o Pai que me enviou. Se algum de vós quer ser o primeiro, pois que seja o servo de todos. Ou seja, Jesus estava ensinando que a verdadeira justiça não faz distinção entre grandes e pequenos, ele próprio estava ali se colocando como o menor de todos. Foi o exemplo que ele deu na última ceia, quando passou o avental na cintura e foi lavar os pés de todos. Quando Jesus disse aos discípulos que seria preso, torturado e morto, para depois ressuscitar, ele estava indiretamente ensinando que por mais cruéis que sejam as maldades humanas, elas nunca superarão a justiça, a sua ressurreição seria (e foi) uma prova disso. Fez-me lembrar agora de uma composição de Roberto Carlos, de 1971, na qual ele dizia: “Tanta gente se esqueceu que o amor só traz o bem, que a covardia é surda e só ouve o que convém”, logo em seguida, ele faz um apelo para que Jesus venha ensinar tudo de novo, porque a humanidade ainda não aprendeu. Olhando para o que acontece ao nosso derredor, constata-se que, de fato, tudo que Jesus ensinou ou está sendo esquecido, ou está sendo deturpado a serviço de interesses de grupos de indivíduos sem escrúpulo. Cada vez mais é necessário repetir que a paz é fruto da justiça.

Para nós, cristãos, a leitura desses textos litúrgicos vem lembrar que, ao vivermos a nossa fé através da realização de boas obras, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus, estaremos contribuindo para neutralizar a ganância do ter em demasia, do poder a qualquer custo. E não basta apenas discursar ou conclamar os outros a fazerem, a ação deve começar na vida concreta de cada um. Fazer é muito mais do que falar. Na véspera de iniciar-se a novena do nosso Patriarca São Francisco, a sua imagem e o seu exemplo continuam firmes e eloquentes, ele que foi o gande protagonista da paz. Que ele nos ilumine e nos inspire a fazer como ele fez com o lobo de Gubbio, pacificando a cidade e trazendo tranquilidade aos nossos irmãos.

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