domingo, 22 de julho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – BONS PASTORES – 22.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 16º DOMINGO COMUM – BONS PASTORES – 22.07.2012

Caros Confrades,

A temática das leituras litúrgicas deste 16º domingo comum retomam a figura do pastor – bons pastores e maus pastores. E a memória litúrgica deste dia 22 de julho é dedicada a Maria Madalena, aquela que foi a grande confidente de Cristo e líder de uma laboriosa comunidade, nos primeiros tempos do cristianismo.

Na primeira leitura, o profeta Jeremias (23, 1-6) lamenta pelos maus pastores: “ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho, diz o Senhor”. E complementa: “virão dias em que farei nascer um descendente de Davi, que reinará com sabedoria e fará valer a justiça e a retidão na terra”. As palavras do Profeta, ao mesmo tempo, se dirigem aos sacerdotes e mestres da lei do seu tempo, que em vez de agregar os servos de Javeh, os levavam à desunião, e em seguida, a Jesus Cristo, descendente de Davi, que viria a ser “o pastor” exemplar, que não deixará as ovelhas se perderem. Infelizmente, as palavras do Profeta fazem eco nos dias de hoje, quando vemos maus exemplos de pastores, que levam à desagregação, em vez de promoverem a união do rebanho. As notícias filtradas pela imprensa acerca de fatos e boatos oriundos do Vaticano nos deixam tristes e preocupados sobre a situação da nossa Igreja e nos conclamam a unir forças, cada um dentro das suas possibilidades, visando a uma necessária e inadiável renovação.

No evangelho de Marcos (6, 30-34), lemos a narração das atitudes de Cristo perante a multidão que não largava do seu pé. “Havia tanta gente chegando e saindo, que não tinham tempo nem para comer”, diz o evangelista referindo-se a Cristo e seus discípulos. Eles então se retiram de barco para um lugar deserto, a fim de descansarem um pouco. Ocorre que a multidão os acompanha ao longe, pelas margens do lago de Tiberíades, e observava para onde eles se dirigiam, de modo que chegou ao local rapidamente e assim, ao desembarcar, Jesus e os apóstolos já os encontram aguardando. Ou seja, nada de descanso para Jesus e os discípulos.

Diz o evangelista que o Mestre, vendo-os assim, longe de censurá-los ou de mandá-los embora, ao contrário, teve compaixão deles porque eram como ovelhas sem pastor. Repete-se, portanto, a temática do profeta Jeremias, acerca dos maus pastores. Do mesmo modo como na época do Profeta, Jesus encontra o povo mal pastoreado, isto é, os sacerdotes e mestres da lei não cumprem adequadamente a sua missão e, ainda por cima, não reconhecem em Cristo o autêntico Pastor enviado pelo Pai. Por isso, mesmo estando fisicamente cansados, Jesus e os discípulos se compadecem daquele povo e Jesus passa a ensiná-los muitas coisas. Na sequência desta leitura do evangelho de Marcos, segue-se o episódio da multiplicação dos pães, que não é abordado neste ensejo. Concentremo-nos no modelo do Bom Pastor.

Conforme Jesus demonstrou com seu comportamento, a missão de evangelizar tem prioridade total e não deve ser adiada nem mesmo quando algumas condições não são muito favoráveis. Analisando certas atitudes dos nossos pastores atuais, vemos quantas vezes o comodismo e a intolerância levam a um desserviço do pastoreio. Lembro de um fato, quando eu era seminarista maior, em Messejana, e chegou uma senhora com uma criança enferma para ser batizada, eu fui atendê-la. Expliquei que o Seminário não era sede da Paróquia e que ela deveria dirigir-se à matriz de Messejana. Ela, então, informou que já vinha de lá e o Pároco dissera a ela que havia horários e datas para batizados, não podia ser a qualquer hora. Ela então foi até o Seminário, porque temia que a criança morresse a qualquer momento. Foi quando eu disse a ela que, naquelas circunstâncias, qualquer cristão batizado poderia realizar o batismo 'in extermis', porém vindo a criança a se recuperar, ela deveria informar isso na Paróquia. Nesse momento ela me pediu: Frei, faça isso pelo meu filho. E eu então tomei um pouco de água da torneira e batizei aquele infante, tendo sido esta a única vez que Deus me concedeu a oportunidade de batizar alguém. E eu fiquei pensando em quantos motivos aquela senhora teria para ficar irritada e falando mal da atitude de mau pastor do Pároco local.

O exemplo que Cristo nos deixou foi exatamente o oposto. Mesmo estando cansado e com fome, ele teve compaixão do povo, acolheu-o e passou a ensinar muitas coisas. Façamos uma breve reflexão sobre a expressão de Marcos dizendo que Jesus “teve compaixão” do povo. Ter compaixão não significa ter pena ou ter dó do coitado. O texto latino de São Jerônimo diz que Jesus “misertus est super eos”, isto é, teve misericórdia sobre eles. A diferença entre ter pena e ter misericórdia é que o primeiro indica um comportamento passivo, de lamento, enquanto o segundo leva a uma atitude, a uma ação concreta no sentido de aliviar aquela situação. Uma coisa é ficar lamentando a situação de alguém e nada fazer (ter pena), outra coisa é verificar a carência de alguém e partir para uma efetiva ação em benefício daquela pessoa (ter misericórdia). Compaixão vem do verbo compadecer, isto é, com+padecer, padecer junto, colocar-se na situação do irmão que sofre não para fazer-lhe companhia no sofrimento, mas para retirá-lo daquele estado. Foi isso o que Cristo fez: vendo a multidão igual a um rebanho seu pastor, não ficou apenas lamentando a situação, mas acolheu a todos e passou a ensiná-los. E na sequência do texto, parte não lida neste domingo, tem aquele episódio da multiplicação dos pães. Jesus não apenas distribuiu o pão da palavra, que alimenta o espírito, mas também distribuiu os pães e os peixes, que alimentam o corpo. Essa é a atitude exemplar de Cristo, no sentido de ter misericórdia do povo.

Analisando essa atitude de Cristo, meus amigos, podemos ver o grande equívoco de alguns católicos que afirmam que a Igreja deve fazer apenas ações espirituais, orações, louvores, adorações, como se o ensinamento de Cristo se resumisse a isso. Muitos grupos católicos se põem contra a chamada 'teologia da libertação', que procura integrar a espiritualidade com a corporalidade, mostrando que o ensinamento de Cristo não se limita à docência doutrinária, mas também alcança o plano material da promoção humana, do apoio às legítimas reivindicações dos trabalhadores, o que torna inevitável unir-se às ações políticas da sociedade. Muitos católicos ainda pensam que para viver a sua religião basta ir à missa aos domingos e rezar o terço todos os dias, sem se preocupar com a situação concreta dos irmãos menos favorecidos. Muitos ainda acreditam que a religião não se mistura com a política, atitude essa que é totalmente favorável àqueles que se eternizam no poder, mantendo-se ali à custa da exploração do povo desinformado. Quando o magistério da Igreja, na conferência de Puebla, assumiu oficialmente o compromisso da opção preferencial pelos pobres, estava cumprindo profeticamente a missão integral da salvação da pessoa humana, deixada por Cristo. No entanto, alguns Prelados, Presbíteros e cristãos apegados ao tradicionalismo se encarregaram de deixar de lado este ensinamento, substituindo-o por um espiritualismo vazio e tendencioso, tudo por conta de alguns exageros que (infelizmente) se verificaram por parte de alguns mais exaltados. Nas últimas décadas, essa atitude de solapar a opção pelos pobres vem se verificando nos critérios para a escolha de novos bispos e nas orientações para a formação de seminaristas, fazendo a nossa Igreja percorrer uma perigosa via de retorno, quando já havia tomado o caminho do progresso.

No evangelho deste domingo, Cristo vem nos chamar a atenção de que não basta cantar halleluyas e bater palmas durante as celebrações, pois isso alimenta o espírito, mas é preciso também, com o mesmo zelo, promover ações efetivas no sentido de distribuir os pães e peixes, que alimentam o corpo. Não devemos retornar ao comodismo de outrora, que levou Karl Marx a afirmar que a religião é o ópio do povo. Não podemos esquecer os ensinamentos do Concílio Vaticano II, que seguiu os bons ventos soprados com o aggiornamento de João XXIII, não podemos reviver o período tridentino. Os nossos Pastores precisam urgentemente acordar dessa letargia ilusória do espiritualismo puro. Os graves episódios do chamado “vatileaks” não podem ser tratados como mera intriga da oposição. A nossa Igreja deve abrir um amplo processo de reinvenção da sua estrutura e dos seus procedimentos, sob pena de maior afastamento dos ensinamentos de Cristo e de maiores perdas de seus fiéis. Que o Espírito Santo sopre com mais força, para ser percebido.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O ENVIO – 15.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O ENVIO – 15.07.2012

Caros Confrades,

Neste 15º domingo do tempo comum, o tema litúrgico em destaque é o envio dos apóstolos para pregarem o Evangelho a todos os povos. Numa visão hermenêutica trans-histórica, o mandado do envio se direciona, em primeiro plano, aos discípulos preparados pessoalmente por Cristo, mas num segundo plano, este envio se direciona a todos os discípulos de Cristo, em todos os tempos, alcançando-nos também nos dias de hoje.

A temática do envio encontra-se presente também na primeira leitura, retirada do profeta Amós (7, 12). Conforme está registrado no texto bíblico, o sacerdote do templo de Betel, de nome Amasias, mandou Amós ir profetizar em Judá e lá trabalhar para ganhar a vida, advertindo-o a não profetizar ali em Betel, porque neste local estavam localizados a corte do rei e o templo oficial, onde Amasias era o 'profeta' oficial. Em outras palavras, Amasias estava querendo se livrar de Amós, porque este, a mando de Javé, denunciava a tibieza e a exterioridade da religião oficial de Israel, cujos cultos não agradavam a Javé por causa da ausência de devoção e do excesso de formalismo. A resposta de Amós foi desaforada, como o sacerdote não esperava: eu não sou profeta nem filho de profeta, mas o Senhor me chamou quando eu estava pastoreando o rebanho e me mandou profetizar em israel.

Setecentos anos antes de Cristo, a vocação de Amós antecipava o envio que Ele iria transmitir aos discípulos, num contexto bastante similar, em relação às perseguições e às dificuldades inerentes ao cumprimento da sua missão. Jesus disse aos discípulos que eles deviam pregar em todos os lugares, sem levar nenhum dinheiro, nem alforje, nem muda de roupa, nada, devendo receber o seu sustento pelas pessoas da comunidade. E onde não fossem bem recebidos, deviam sacudir a poeira das sandálias contra eles em protesto. E deu a eles o poder de expulsar demônios e curar doenças.

O profeta Amós, como em geral todos os profetas do Antigo Testamento, são personificações antecipadas dos discípulos que Cristo iria preparar para a pregação do seu Evangelho, da mesma forma que os discípulos de Cristo em todas as épocas passaram a ser os profetas do seu tempo. Como resultado do cumprimento desta missão de envio, nós temos hoje a doutrina cristã presente em todos os recantos do mundo e os continuadores desta missão espalhados em todas as camadas da sociedade. Isto é, os profetas dos nossos dias somos nós, seguidores de Cristo e comprometidos com a nossa vocação de enviados.

Talvez o seguidor de Cristo que pode ser apresentado como modelo mais perfeito do cumprimento desta missão seja o nosso Seráfico Patriarca Francisco de Assis, sem dúvida, um grande profeta do seu tempo. Num momento em que a Igreja de Cristo passava por uma grande influência do secularismo e as suas autoridades estavam sucumbindo às ambições do ter e do poder, bem como às seduções dos pecados capitais, o Senhor tocou o coração de Francisco e o enviou para 'reconstruir' a sua Igreja. Enquanto outros reformadores históricos (como, por exemplo, Lutero) entraram em rota de colisão com as autoridades cujos desmandos denunciavam, Francisco, ao contrário, fez todas as suas ações de forma tranquila e obediente às mesmas autoridades, cujo comportamento atípico ele estava ali para denunciar. E o que Francisco fez? Exatamente aquilo que Cristo mandou, quando enviou os seus discípulos: sem preocupações com a aquisição e acúmulo de bens, sem necessidade de provisões de alimentos nem vestimentas, recebendo da própria comunidade o seu sustento, como fruto do seu trabalho. Todos nós nos recordamos que era isso o que estava contido na 'regra de vida' que Francisco deixou como herança para os seus frades. Por isso, podemos dizer que, se houve alguém que cumpriu fielmente o mandado de Cristo na pregação do Evangelho, este foi Francisco de Assis. Deste modo, o nosso compromisso com o engajamento na missão tem uma dupla fonte. De um lado, o envio de Cristo aos seus discípulos, conforme relatado por Marcos no evangelho; de outro lado, o exemplo modelar de Francisco, de cuja herança nós participamos, através da formação que recebemos no tirocínio da vida franciscana. Seguir a Francisco se equipara a seguir a Cristo, só que com maior entusiasmo e alegria, pois juntamente com o envio, temos o exemplo mais efetivo do seu cumprimento.

Na segunda leitura, retirada da carta aos Efésios (1, 3), Paulo elabora um inspirado hino de louvor ao Pai, que em Cristo nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis, sob o seu olhar, no amor. Vemos que Paulo celebra o dom da vocação que envolve todos os cristãos para serem profetas e evangelizadores, continuadores da missão salvadora de Cristo, através do envio que todos recebemos, como tributo do nosso batismo e da nossa adesão pela fé. Por Ele, nós fomos confirmados no Espírito, segundo o projeto do Pai, que assim nos predestinou para colocar a nossa esperança em Cristo e no seu evangelho da salvação.

Conforme a promessa de Cristo, são inerentes ao envio os poderes de expulsar espíritos malignos e curar os doentes. Estes poderes não devem ser interpretados literalmente, pois este linguajar representa o modo de pensar daquele tempo. Quem interpreta estas palavras no sentido fundamentalista é adepto da prática dos rituais de exorcismo, muito característicos de algumas organizações eclesiais não católicas contemporâneas, que até fazem demonstrações teatralizadas disso através da televisão. Dentro da Igreja Católica, temos essa forma interpretativa no entendimento dos carismáticos, que também simpatizam com as práticas exorcistas. No meu modo de entender, o poder de expulsar demônios deve ser entendido como o poder de vencer o mal, em todas as suas formas de manifestações, principalmente aquelas mais presentes na sociedade contemporânea, materializadas na discriminação de pessoas, na exclusão social, na exploração do próximo através das nefastas práticas capitalistas, que tanta indignação causam ás pessoas de boa fé. E o poder de curar doenças pode ser entendido como a aceitação e a promoção das pessoas mais necessitadas física e psicologicamente, levando apoio e auxílio aos irmãos mais frágeis e vulneráveis. Não existe uma receita ou um padrão de comportamento a ser indicado, mas isso será percebido pela sensibilidade de cada um, perante a sua consciência iluminada pela fé. Pelo batismo, esses poderes nos são conferidos, conforme a promessa de Cristo, e compete a cada um de nós encontrar a melhor forma de po-los em prática na nossa vida, com nossas ações e nosso testemunho.

Que o divino Mestre e o nosso Seráfico Patriarca nos ajudem no fiel cumprimento da missão que Cristo reservou e espera de cada um de nós.


domingo, 8 de julho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – SANTO DE CASA – 08.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 14º DOMINGO DO TEMPO COMUM – SANTO DE CASA – 08.07.2012

Caros Confrades:

A liturgia deste 14º domingo do tempo comum traz, em uma de suas leituras, um tema que casa direitinho com o conhecido ditado popular 'santo de casa não obra milagre'. Outro tema que também está em destaque é o da graça divina suficiente para a salvação, conforme o ensinamento de São Paulo.

No evangelho de Marcos (6, 1-6), lemos que Jesus voltou a Nazaré, sua terra, acompanhado dos discípulos e lá se apresentou na sinagoga, no sábado, para fazer a leitura. Embora Marcos não diga qual foi o texto lido, mas tudo leva a crer que é aquele famoso trecho de Isaías falando sobre o futuro Messias (Lc 4, 21): O Espírito do Senhor repousa sobre mim porque me consagrou para ensinar a boa nova aos pobres... e ao terminar, Jesus completou: hoje se cumpriu essa palavra da Escritura, referindo-se a Ele próprio. Foi então que os fariseus e os sacerdotes se 'escandalizaram' e ficaram se questionando: quem deu a Ele essa autoridade? Ele é apenas o filho do carpinteiro, nós conhecemos sua mãe, seus irmãos e irmãs... E Jesus comentou com os discípulos: nenhum profeta é bem recebido na sua terra (Mc 6, 4).

O verbo 'escandalizar' usado nesse contexto nada tem a ver com o sentido atual dessa palavra, mas significa descrença, não aceitação, incredulidade. Os fariseus se escandalizaram com Jesus quer dizer que não o aceitaram como Messias, não reconheceram n'Ele o prometido por Deus através do profeta Isaías. Chegaram até a insinuar que os prodígios que Ele realizava era porque tinha, como se diz na nossa cultura popular, pacto com o demônio, estava possuído por Belzebu. E por causa da sua falta de fé, completa Marcos (6, 5), Jesus não realizou ali nenhum milagre, passando depois a ensinar pelos povoados vizinhos.

Esta passagem do evangelho, que está em Mc 6 e em Lc 4, é uma das poucas vezes em que Jesus se apresentou claramente como o Messias. Mas os fariseus tinham dificuldade em aceitar isso, porque sabiam da sua origem humilde. Os carpinteiros, os artesãos em geral, não tinham tempo para estudar, para se aprofundar nas Escrituras, portanto, não podiam pregar nem ensinar. Daí porque ficaram a se perguntar: quem deu a Ele tanta sabedoria? Com que autoridade Ele vem nos ensinar? Ou seja, os doutores da lei não admitiam que alguém, que não pertencesse ao grupo deles, fosse ler na sinagoga e explicar a palavra de Deus para eles.

Essa atitude de incredulidade já estava prevista pelo profeta Ezequiel, conforme lemos na primeira leitura deste domingo (Ez 2, 3):  nação de rebeldes, que se afastaram de mim. Eles e seus pais se revoltaram contra mim  até ao dia de hoje. A estes filhos de cabeça dura e coração de pedra, vou te enviar … E depois acrescenta o profeta: Quer te escutem, quer não - pois são um bando de rebeldes - ficarão sabendo que houve entre eles um profeta. Foi por isso que Jesus retornou a Nazaré, para que se cumprisse a profecia pois, crendo ou não, estariam sabendo que o Messias passou entre eles. Se nós observarmos, este mesmo fenômeno da rejeição sofrido por Jesus acontece ainda hoje com muitos intelectuais, artistas, cientistas que ganham destaque em outras localidades, até mesmo no exterior, e não têm reconhecimento nas suas regiões de origem. Ou só passam a ter esse reconhecimento depois de terem sido, antes, homenageados em terras estranhas. A humanidade de hoje, sob este prisma, continua a mesma dos tempos de Cristo.

Um fato, que merece destaque ainda que de passagem, é o fato de Jesus ter ido à sinagoga no sábado, como todo judeu cumpridor das suas obrigações. Evidentemente, Jesus não foi à sinagoga apenas nesta ocasião em que se encontrava em sua terra natal, mas fazia isso habitualmente por onde andava. Em respeito à Lei, Jesus respeitava o sábado e cumpria os rituais judaicos.

O segundo tema a ser comentado neste domingo é retirado da carta de Paulo a Coríntios (2Cor 12, 7), quando ele declara que foi espetado na carne por um espinho que é como um anjo de Satanás a esbofeteá-lo. No texto original grego a palavra é 'skóloph tês sarxi'', que significa estaca na carne (faz lembrar as histórias de Drácula isso), e no texto latino, a palavra usada por São Jerônimo é 'stimulus carnis', que nas traduções mais antigas era vertido como aguilhão na carne. Agora, a CNBB preferiu substituir aguilhão por espinho, porém me parece que espinho é algo muito brando para simbolizar a imagem proposta por Paulo. Na nossa cultura, o espinho mais afiado e rígido talvez seja o do mandacaru, que mede alguns centímetros. Mas a palavra 'skóloph' tem um peso muito maior do que simples espinho, simbolizando algo mais forte e poderoso.

Pois bem, Paulo diz que esse 'skóloph' foi enfiado na sua carne para que ele não se ensoberbecesse com a revelação que ele teve, após a sua conversão, quando foi tocado por Jesus e se transformou em discípulo tardio. Esta confissão de Paulo faz lembrar a passagem evangélica das tentações de Jesus, quando ele também se sentiu tentado com a soberba de se apresentar como poderoso, fazendo milagres e atraindo multidões. Sob uma abordagem diferente, Paulo relata ter sentido também essa mesma tentação da soberba de ter sido escolhido por Cristo para a sua sublime missão. Por três vezes, diz Paulo, pedi ao Senhor que me livrasse disso, mas Ele respondeu: basta-te a minha graça (2Cor 12, 9). Então, Paulo reflete acerca da suficiência da graça divina para a nossa salvação, ensinando-nos a não nos deixarmos sucumbir diante das dificuldades da vida, das nossas fraquezas, do desânimo e da falta de compreensão, muitas vezes, daqueles que nos são mais próximos. Diz Paulo que é na fraqueza que a força se manifesta. E arremata: Porque quando me sinto fraco, então é que sou forte. Isto é: quando as adversidades me atacam, quanto mais elas me perseguem, mais eu conto com a graça divina.

Essa doutrina desenvolvida pela teologia da graça ensina que Deus dá a todos os homens a graça suficiente para a salvação. Porém, Deus não pega cada um pela mão para levá-lo pelo caminho do bem, porque se assim fosse, não haveria mérito nenhum da nossa parte. Deus nos dá a sua graça, mas espera que cada um aceite esta graça e a faça crescer em si através da fé, das ações, da caridade, do testemunho, sempre na confiança de que Deus jamais abandonará ao que tem fé. Essa doutrina contrasta com aquela outra sobre a predestinação, segundo a qual algumas pessoas estão fadadas à condenação, independente do que venham a fazer. De outro lado, outras pessoas estão escolhidas para a salvação, não importa o que fizerem na vida. Essa doutrina, se verdadeira, levaria à conclusão de que Deus seria sumamente injusto e que o livre arbítrio do homem não teria qualquer serventia. Mas a teologia católica não aceita isso. Ao contrário, ensina que todos são destinados à salvação, pois Deus dá a todos a sua graça. Porém, a graça não opera de forma automática, mas vai depender da forma como cada qual corresponde aos dons divinos. Ou seja, a graça divina é suficiente, mas não surtirá efeito sozinha, se não houver a colaboração da pessoa. Portanto, a salvação é um dom de Deus, mas é também uma conquista de cada um através da sua fé e das suas obras de misericórdia. A graça é suficiente mas não anula a liberdade e a vontade, de modo que alguém pode agir em desconformidade com ela. Isso é o que se chama de pecado, é quando nós, com nossas ações desajustadas, não correspondemos à graça e à missão que Deus reservou a cada um de nós.

Que o Senhor nos ajude sempre a descobrir em nós a graça que recebemos e nos dê coragem para agir de acordo com ela, incrementando-a com a nossa fé produtiva.


segunda-feira, 2 de julho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – SÃO PEDRO E SÃO PAULO – LIGAR E DESLIGAR – 01.07.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – SÃO PEDRO E SÃO PAULO – LIGAR E DESLIGAR – 01.07.2012

Caros Confrades:

Neste décimo terceiro domingo comum, a liturgia dominical cede o lugar para a festa dos santos Pedro e Paulo, baluartes dos inícios do cristianismo e da igreja primitiva, em razão do acordo com o governo brasileiro sobre os feriados religiosos, que retirou o dia 29 de junho da lista dos feriados. Transfere-se, então, a celebração para o domingo seguinte, no caso, o domingo de hoje.

As leituras desta festa litúrgica evocam as importantes tarefas desempenhadas por Pedro e Paulo, na implantação e propagação do cristianismo e no estabelecimento da comunidade eclesial de Roma, que viria a se tornar depois a sede oficial da Igreja de Cristo. Este fato, contudo, não é aceito de forma unânime, mas é permeado por inúmeras controvérsias históricas e doutrinárias.

Todos os católicos conhecem a passagem do evangelho de Mateus, lida neste domingo, onde ele narra o episódio em que Jesus muda o nome de Simão para Cefas, palavra esta que vem do aramaico Képhas e significa rocha. Esta palavra foi 'traduzida' nos primeiros textos gregos por Petros, um vocábulo que na verdade não existia na língua grega e pode-se dizer que foi criada nessa ocasião. Daí deu origem à palavra latina Petrus. Na célebre passagem de Mt 13, 18-19, Jesus diz que sobre esta pedra será construída a sua ekklesia e dá a Pedro a chave do reino dos céus. Esta é a fonte do dogma denominado 'primado de Pedro', que dá ao Papa a chefia de toda a Igreja universal. Porém, isso é bastante controvertido entre os estudiosos seja católicos ou não católicos.

Nos primeiros séculos da Igreja de Cristo, não havia essa 'chefia' do bispo de Roma, onde Pedro foi o primeiro, sendo que cada comunidade local era chefiada por um apóstolo e depois por um sucessor deste, sem o reconhecimento de uma hierarquia dentre eles. São João evangelista, que foi chefe da igreja de Antioquia e foi o último dos apóstolos a morrer, isso por volta do ano 100 d.C., era uma autoridade reconhecida e não havia essa subordinação ao bispo de Roma, sucessor de Pedro (nessa época, era Santo Evaristo).

Aliás, essa divergência entre os que aceitam e os que não aceitam a primazia de Pedro foi um dos temas que serviu de pretexto para o cisma do Ocidente, ou seja, a divisão entre as Igrejas Católicas Ocidental (de Roma) e Oriental (de Constantinopla), fato ocorrido em 1054. E essa não aceitação do 'primado de Pedro' pelos bispos da Igreja grega se deu pela grande intromissão dos imperadores romanos dentro da Igreja, após o cristianismo ter sido decretado religião oficial do Império Romano, por ato do imperador Teodósio, em 380. Em diversos Concílios que ocorreram nos anos seguintes, essa insatisfação dos Padres Gregos foi levantada, pois estes se consideravam os detentores da tradição cristã mais genuína, não contaminada pelos imperadores romanos, sendo que as discussões nunca levaram a qualquer solução. A partir da coroação de Carlos Magno como imperador do Sacro Império Romano Germânico, no ano 800, ele que era bárbaro e fez muitas imposições religiosas, a insatisfação aumentou ainda mais, por causa dessas interferências consideradas ilegítimas pelos Padres Gregos. E isto foi se agravando até explodir quando o Patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, em 1043, começou a fazer campanha direta contra a doutrina defendida pela Igreja de Roma acerca da natureza do Espírito Santo, tendo sido repreendido por isso e terminou por ser excomungado pelo Papa, o qual foi por sua vez excomungado pelos Bispos da Igreja Bizantina, declarando-se abertamente a cisão ou cisma entre as duas Igrejas, o que prevalece até hoje. Somente no ano de 1965, o Papa Paulo VI, dentro dos ares renovadores e ecumênicos do Concílio Vaticano II, promoveu um encontro com o Patriarca Atenágoras, de Constantinopla, e assim ambos retiraram as excomunhões recíprocas, que haviam perdurado por mais de 900 anos.

O ponto central da questão está no fato de que a Igreja Católica do ocidente reconhecia o Bispo de Roma como Papa e como chefe da Igreja, no entanto, a Igreja Católica do oriente só reconhecia no Bispo de Roma um título honorífico, não uma autoridade universal. Podemos dar o exemplo do que acontece no Brasil com o Bispo de Salvador, na Bahia, que tem o título de Primaz porque foi lá a primeira Diocese instalada no Brasil, mas esta primazia não dá a ele uma autoridade sobre os demais Bispos. Era assim que os Bispos Gregos compreendiam a figura do Papa, como Bispo de Roma. Então, vemos que do ponto de vista histórico, o Cisma do Ocidente representou a oficialização do Bispo de Roma como o chefe universal da Igreja Católica, embora essa doutrina já existisse desde o terceiro século. Mas é oportuno registrar que Santo Agostinho, que viveu no século IV, segundo alguns estudiosos, discordava desse entendimento.

Bem, de uma forma ou de outra, o fundamento bíblico da 'primazia de Pedro' está no evangelho de Mateus, conforme acima referido (Mt 13, 19), o conhecido episódio das chaves dadas por Jesus a ele. Sobre isso, eu faço outras considerações. Segundo o texto latino da tradução de São Jerônimo, lê-se que, após 'dar as chaves' a Pedro, Jesus disse: “quodcumque ligaveris super terram, erit ligatum et in coelis, et quodcumque solveris super terram erit solutum et in coelis. Eu destaquei propositalmente os verbos 'ligaveris' e 'solveris' que são traduzidos, respectivamente, por 'ligardes' e 'desligardes'. Quando ao primeiro (ligaveris=ligardes), a tradução está literal; mas quando ao segundo (solveris=desligardes), ao meu ver, não seria bem esse o sentido. O tradutor português aproveita a morfologia dos verbos ligar-desligar para fazer um trocadilho, mas não é bem este o sentido do verbo 'solvere', que significa 'resolver', e deve ser entendido, ao meu ver, no sentido jurídico romano de 'resolver uma obrigação', ou seja, liquidar um débito, perdoar uma dívida, solucionar uma contenda. Na tradição histórica, os Papas muitas vezes 'abusaram' desse poder de ligare-solvere para introduzir muitas práticas e normas que terminaram por afastar o cristianismo das suas origens. Vou citar apenas dois exemplos, que são reiteradamente alegados pelos nossos 'irmãos separados': primeiro, o batismo das crianças e somente por aspersão no crânio,quando devia ser de pessoas adultas e mergulhando o corpo inteiro, conforme fazia João Batista; segundo, o formato da hóstia como é adotado na Igreja Católica, quando devia ser o pão comum, conforme Jesus fez na ceia derradeira. Eu não desconheço que há inúmeros argumentos e motivos a justificarem essas mudanças, mas seria o caso de perguntar se isso foi realmente necessário (com todo respeito, claro)?

Outra coisa. Com a instituição do direito canônico, a Igreja romana buscou dar uma mais sólida organização para a entidade eclesial, no entanto, isso trouxe como efeito colateral uma excessiva burocracia, que ainda hoje permeia o culto litúrgico e a administração dos sacramentos, deixando-nos em dúvida sobre até que ponto essas inovações das autoridades estão sendo fiéis ao mandato que Jesus confiou a Pedro, com a delegação de 'ligare-solvere'. Será que, ao longo dos tempos históricos, esse mandato conferido a Pedro não teria sido extrapolado com a introdução de ações divergentes, conforme a censura exercida pelos Padres Gregos contra a Igreja de Roma? Até que ponto essas novidades foram realmente fruto da necessidade pastoral ou de um exercício unilateral de autoridade? Lembro-me agora que Montesquieu, quando propôs que o poder do Estado fosse dividido em três (executivo, legislativo e judiciário), argumentou que as experiências históricas demonstraram que, sempre que um só exerce o poder, tende a exercê-lo com arbitrariedade. Não teria isso acontecido também com as autoridades eclesiásticas?

São reflexões que faço não no intuito de contestar ou desmerecer a autoridade do sucessor de Pedro, mas como uma espécie de autocrítica que, enquanto membros da Igreja Católica, nós podemos lançar na intenção de uma melhor compreensão do papel das nossas autoridades hierárquicas. As notícias que são filtradas do Vaticano e apenas em doses homeopáticas chegam à grande imprensa mundial deixam sérias preocupações sobre o poder da burocracia eclesial superando a hegemonia doutrinária e a herança escriturística. Que o Espírito Santo nos ilumine para compreender isso e ilumine ainda mais as nossas autoridades eclesiásticas constituídas.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM (NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA) – ÚLTIMO PROFETA – 24.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM (NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA) – ÚLTIMO PROFETA – 24.06.2012

Caros Confrades,

Neste 12º domingo do tempo comum, a liturgia dominical cede a vez para a celebração do nascimento de João Batista, o precursor do Messias. A importância de João Batista, na história da salvação é ímpar, já que ele se posiciona no meio termo entre o Antigo e o Novo Testamentos. Ele foi o último dos profetas, dentre estes, o único que leva o agnome de São. Conforme as palavras do próprio Cristo, dentre os nascidos de mulher, foi o maior de todos. (Mt 11, 11)

Coube a João Batista a tarefa de preparar o caminho para a chegada do Messias. O seu nascimento está relacionado a fenômenos extraordinários. Conforme o evangelho de Lucas (1, 5), Zacarias era sacerdote do templo. Ele e sua mulher Isabel não tinham filhos e já tinham idade avançada. Num certo dia, quando era a vez dele entrar no tabernáculo para incensar a Arca da Aliança, lá dentro do tabernáculo recebeu a visita do anjo do Senhor, o qual informou que a mulher dele iria ter um filho. Ele duvidou e por causa disso ficou mudo durante toda a gestação, vindo a soltar-se sua língua somente depois do nascimento do filho (Lc 1, 64). Outro fato singular ligado a João Batista foi o de que ele estremeceu no ventre de Isabel, quando Maria foi visitar a prima, a ponto de a mãe sentir a vibração estranha. Segundo uma tradição, João Batista teria sido instruído na comunidade dos essênios, assim como se diz também que aconteceu com Cristo. Lá ele teria estudado as escrituras. Mas mesmo que não tenha sido, o pai dele era sacerdote, portanto, poderia tê-lo instruído. O fato é que, quando ele começou a pregar, ele citava Isaías: a voz do que clama no deserto – aplainai os caminhos do Senhor, endireitai suas veredas, o reino de Deus chegou.

Todos os profetas, mas principalmente Isaías, lançaram previsões acerca do futuro Messias, mas foi João Batista o único que pôde apontar com o dedo para Ele e dizer: aí está o Cordeiro de Deus. E dizia ao povo: vocês vêm atrás de mim, mas no meio de vós está um que é maior do que eu e do qual eu não sou digno nem de desamarrar a correia das sandálias... é preciso que Ele cresça e eu diminua. Naquela imagem da crucifixão, de Grunewald, que encaminhei antes, há uma referência a este fato. E foi ele que mandou discípulos perguntar a Jesus se era Ele o Messias esperado ou se deviam esperar por outro. (Lc 7, 19) Evidentemente, isso não era porque João tivesse dúvidas, mas para a tranquilidade dos próprios discípulos dele.

Mas o fato mais notável protagonizado por João Batista foi o batismo de Jesus. Quando Ele se apresentou para ser batizado, João disse: eu que devia ir a ti, e tu vens a mim... e Jesus respondeu: deixa que as coisas aconteçam assim. (Mt 3, 14) Foi então que, após Jesus ser batizado, houve a primeira manifestação da Trindade, quando o Pai se fez ouvir e o Espírito Santo apareceu em forma de pombo. Este foi o início da vida pública de Jesus e por isso João Batista se situa no limiar que separa o Antigo Testamento do Novo Testamento.

Conforme os Atos dos Apóstolos (13, 24), João pregava ao povo o batismo da conversão. Ele não inventou o batismo, este já existia e era praticado regularmente pelos judeus, fazia parte dos seus rituais de ablução, pelos quais eles buscavam a purificação. Mas o batismo tradicional e comum entre eles era o auto batismo, ou seja, o penitente entrava na água do Jordão e ele mesmo mergulhava, cobrindo todo o corpo, para assim se purificar. Ainda hoje, algumas igrejas cristãs não católicas fazem este batismo de imersão, para receberem seus fiéis. Porém, o batismo pregado por João era oficiado por ele, o fiel recebia o batismo de suas mãos, em sinal da conversão. A palavra conversão, todos sabemos, diz-se em grego 'metanoia', cuja etimologia significa mudança de mentalidade, mudança no modo de pensar. Não era um simples ritual de purificação como faziam os judeus, porque saíam dali e voltavam a fazer as mesmas infidelidades de antes. Para ministrar o batismo, João exigia a conversão, a mudança de modo de pensar, isto é, a pessoa devia antes aplainar os caminhos do pensamento e endireitar as veredas da mente. Essa atitude significava a necessidade de abrir o entendimento para compreender as graves e contundentes verdades que estavam por se manifestar na pessoa e na pregação de Cristo.

Sim, porque os judeus esperavam um Messias guerreiro, tal como fora Davi, que viria com a espada afiada para derrotar e expulsar os inimigos. Está lá na primeira leitura, em Isaías (49, 2), na verdade, no deutero-Isaías: fez da minha palavra uma espada afiada, fez de mim uma flecha aguçada. Isso era interpretado literalmente em relação ao Messias esperado. Ele viria de espada em punho para libertar Israel. Daí se entende o diálogo de Jesus com os discípulos de João, quando eles perguntaram se Ele era o que havia de vir ou deviam esperar por outro. (Lc 7, 19) Foi quando Jesus respondeu: ide dizer a João o que tendes visto – cegos veem, coxos andam, surdos ouvem... e feliz daquele que não se escandalizar por minha causa. Com isso, Jesus estava já antecipando a dificuldade que os judeus, principalmente os chefes destes e os fariseus, iriam ter em reconhecê-lo e aceitá-lo. Eles iriam se escandalizar, ou seja, iriam desacreditar, iriam lançar desconfiança em Jesus, porque o Messias que eles esperavam era de outro tipo, lutador e guerreiro, não um Messias fraco e sofredor. Daí também porque João dizia que era necessária a conversão (mudança de mentalidade), era necessário endireitar as veredas (do pensamento), aplainar os caminhos (do entendimento), a fim de conhecer e aceitar o Messias como Cordeiro de Deus.

Essa figura do cordeiro era bem familiar para os judeus, por causa do símbolo da Páscoa, o cordeiro que se imolava e que servia de alimento. Quando João diz que Cristo é o Cordeiro de Deus, estava ali também se referindo à sua paixão e já antecipadamente à eucaristia, o cordeiro imolado que é dado em alimento. Para compreender isso, ou seja, para entender a nova figura do Messias-Cordeiro era imprescindível mudar o modo de pensar acerca dele. João fazia referência expressa à figura do cordeiro também presente na profecia de Isaías, o cordeiro que era levado ao matadouro e não abria a boca (Is 55, 3), sinal de que João Batista conhecia bem as escrituras.

Na primeira leitura da missa da vigília, a liturgia nos oferece o trecho do profeta Jeremias, que tanto se refere a João Batista quando a Jesus Cristo (Jr 1, 5): antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio da tua mãe eu te consagrei e fiz de ti profeta das nações. E mais adiante, no versículo 10, completa: eu te constituí hoje sobre povos e reinos com poder para extirpar e destruir, devastar e derrubar, construir e plantar. E na primeira leitura do domingo, a mesma imagem se encontra em Isaías (49, 6): eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra.

Meus amigos, nós aqui e agora somos fruto dessa promessa. Deus falou pela boca de Isaías: Não basta restaurar Jacó e reconduzir o resto de Israel, isso é pouco, tu vais unir todas as nações e levar a elas a minha salvação. Nós somos a prova concreta de que a palavra de Deus, pronunciada pelo Profeta, foi cumprida. E nos dias de hoje, nós somos os sucessores do Profeta, para continuarmos anunciando a salvação ao mundo inteiro. E para quem acha que não tem condições de fazer isso, vale lembrar a advertência de Jeremias (1, 8): o Senhor disse - não tenhas medo, pois estou contigo para defender-te... eis que ponho minhas palavras na tua boca. Este é o nosso desafio e a nossa missão de cristãos na sociedade.


domingo, 17 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 17.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 17.06.2012

Caros Confrades,

Neste 11º domingo comum, a liturgia nos propõe para reflexão os ensinamentos de Cristo a respeito do reino de Deus, que ele veio inaugurar, explicado através de parábolas, para forçar a compreensão dos seus ouvintes. No trecho de hoje, são expostas duas parábolas diferentes, mas com um mesmo núcleo de sentido: a semente lançada na terra.

A imagem da semente tem uma forte simbologia relacionada com o fenômeno da multiplicação que está a ela associada e que encerra no seu conteúdo o próprio milagre da vida. A semente é pequena, inerte, simples, mas quando plantada, cresce, se torna dinâmica, fecunda e se multiplica em incontáveis partes, que configurarão um novo ser. No entanto, há uma condição para que a semente se torne fecunda: ela deve 'morrer', deve ser sepultada no limo da terra, para assim ganhar nova vida. Sem essa 'morte', a vida não brotará dela. Podemos vislumbrar, portanto, na imagem da 'morte' da semente o sacramento do batismo. Através do batismo, o ser humano morre para o pecado, a fim de viver em Deus. A sua existência anterior era inerte, pobre, sem futuro; a sua nova existência é dinâmica e fecunda, pelos frutos que o batismo faz brotar no coração de quem o recebe.

Em outra passagem do evangelho (Jo 12, 24), Jesus faz outra alusão à semente, em outro contexto, referindo-se à sua ressurreição, quando diz: se o grão de trigo não morrer, fica só; mas se morre, produz muito fruto. A imagem da semente associa-se, portanto, à morte do homem pecador e à ressurreição do homem da graça, tanto no sentido da nova vida trazida pelo batismo, quanto no sentido da outra vida, que virá depois que deixarmos esta morada. E aqui o tema do evangelho se interliga com o texto da segunda leitura, retirada da carta de Paulo a Coríntios 2: “ enquanto moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor; pois caminhamos na fé e não na visão clara ” (2Cor 5,6) Ao deixar a morada do corpo, iremos morar junto do Senhor. Portanto, neste primeiro momento, a imagem da semente se refere a nós, cristãos, que temos a oportunidade de, pelo batismo, fazer morrer em nós o ser humano pecador, para fazer viver o ser humano da graça. E através dos demais sacramentos, vamos passando por um processo de contínuo aperfeiçoamento do nosso ser para, depois, com a morte corporal, termos a ressurreição prometida por Cristo, da qual Ele já deu o exemplo.

Nas parábolas da leitura deste domingo, Jesus compara o reino de Deus à semente que é plantada. O plantador lança a semente na terra e passado algum tempo vê surgir uma plantinha, que vai crescendo, produzindo frutos, servindo de alimento para alguns e também servindo de morada para os pássaros, e aquele que planta não sabe como foi que isso aconteceu. Neste caso, a semente é a Palavra que é plantada no coração e na mente das pessoas e vai germinar e produzir frutos e aquele que foi o portador da Palavra não sabe como foi que isso aconteceu. E nem precisa se preocupar com isso, porque o Pai toma conta de tudo. O que Jesus quer de nós é que lancemos a semente, igual ao semeador da outra parábola e o Pai cuidará do resto. E como é que nos tornaremos lançadores de sementes? Com a nossa fala, em primeiro plano, mas é sobretudo com o nosso exemplo que isso acontece. O nosso comportamento de cristãos, a colocação em prática dos mandamentos de Cristo nos atos da nossa vida cotidiana, o nosso testemunho diante da pessoas do nosso convívio na família, no trabalho, na sociedade, são os atos e atitudes pelos quais nos tornamos lançadores da semente da Palavra.

E Jesus ainda nos anima querendo dizer que não precisa fazer grandes pregações, nem grandes sacrifícios nem enfrentar grandes desafios, mas mesmo nas pequenas coisas isso acontece. É o que Ele pedagogicamente ensina quando fala da semente de mostarda, ao dizer que é a menor semente das hortaliças, no entanto, é aquela que produz a leguminosa mais corpulenta, que serve até de pouso e arcabouço de ninho para os pássaros. Pequenas sementes que produzem grandes árvores, assim acontece também conosco, mesmo que a semente lançada seja de tamanho apoucado. Falando nisso, quem não se lembra dos canteiros de hortaliças que todos nós ajudamos a cultivar no Seminário de Messejana, em Guaramiranga, em Parnaíba, em todos os conventos havia essa prática. Além do trabalho em si, para exercitar o corpo e desanuviar a mente, tinha o retorno em bons produtos para a cozinha e o refeitório. E sem perceber, estávamos tendo uma demonstração concreta dos aspectos físico e espiritual do ato de lançar a semente e ver seus frutos, em todos os seus sentidos.

Tem ainda outro aspecto interessante que este trecho do evangelho de Marcos nos traz para a reflexão. Ao final, o autor diz que Jesus falava ao povo em parábolas, mas para os discípulos depois, a sós, ele explicava tudo. É o caso de perguntarmos: por que Jesus fazia assim? Porque ele não explicava tudo logo para o povo, deixando para fazer isso somente aos discípulos. Se os discípulos precisavam de explicação para compreender, é óbvio que o povo também precisava, então por que Ele fazia esse segredo? Ele não queria que o povo entendesse? Parece algo contraditório.

Ao meu ver, essa estratégia de Jesus tinha um objetivo certo, não era casualidade ou displicência. Ele queria que os judeus o reconhecessem como Messias, mas não aquele messias poderoso e guerreiro, que a tradição judaica esperava ver. Ele mesmo chegou a dizer certa vez, quando os discípulos perguntaram por que ensinava ao povo com parábolas (Mc 4,11): a vós é dado conhecer o reino de Deus, mas àqueles lá de fora, faço tudo em parábolas, para que olhando não vejam e para que ouvindo, não entendam. Essa estratégia Jesus usava em relação aos fariseus e aos sacerdotes do seu tempo, que O seguiam esperando para ver um milagre, um feito extraordinário e assim poderem acreditar que Ele era mesmo o messias esperado. E Jesus não fazia milagres quando eles estavam por perto, mas somente quando o povo simples o rodeava, porque a ação miraculosa tinha de ser para a glória do Pai, e não para a exaltação de Sua pessoa. Jesus sabia que, no curto tempo de três anos, ele não conseguiria doutrinar muita gente, então ele lançava a Palavra em forma metafórica e explicava as metáforas aos discípulos para que estes, após a sua morte e ressurreição, fossem explicar detalhadamente ao povo o que ele queria dizer.

Ao falar em parábolas, Ele fazia igual ao semeador que joga a semente e não se importa onde ela está caindo, mas cada uma produzirá poucos ou muitos frutos, de acordo com o terreno que a fecundar. Os fariseus e os mestres da Lei, que esperavam um messias poderoso, apto a restaurar o reino de Israel, não compreenderam a figura do Messias humilde e frágil, que veio anunciar um novo Reino, deixando aos seus seguidores a tarefa de espalhar a semente que ele trouxe. Jesus queria que as pessoas acreditassem nele pela mensagem (Palavra) por Ele transmitida, não pelas demonstrações de poder que ele fazia através dos milagres. Essa era a 'primeira tentação' (transformar essas pedras em pão, ou seja, faz milagres) que ele devia evitar, porque a sua missão era outra e o seu reino não era deste mundo. Aos discípulos, porém, àqueles que ele escolheu para continuarem a sua missão, a esses ele revelou todos os mysterion, ou seja, todos os segredos e através deles, esses segredos chegaram até nós.

Retomando o texto da 2ª Carta a Coríntios (segunda leitura), enquanto moramos no corpo, somos peregrinos que caminham na fé, ou seja, o reino de Deus para o qual nós nos dirigimos, por enquanto é a promessa na qual nós cremos. Mas quando deixarmos esta morada e comparecermos ao tribunal de Cristo, para receber a nossa recompensa, então o reino de Deus será visto claramente por cada um de nós, ou seja, tornar-se-á realidade. Esta dupla dimensão do reino de Deus está implícita na imagem da semente, que precisa morrer para assim germinar e produzir frutos. Portanto, sejamos sementes e também lançadores de sementes, enquanto formos peregrinos, pois os frutos serão colhidos na época apropriada.

  

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012

Caros Confrades,

Neste décimo domingo do tempo comum, as leituras da liturgia trazem diversos temas interessantes, dos quais destacarei dois para comentar, tomando como referência o evangelho de Marcos (Mc 3, 20): os irmãos de Jesus e o pecado eterno.

A narrativa de Marcos (3, 20-35) traz alguns detalhes bem interessantes. Primeiro, relata que Jesus voltou para casa com seus discípulos (3, 20). É o caso de perguntarmos: que casa? Provavelmente, a casa de algum dos discípulos, pois Jesus não tinha uma casa, depois que iniciou sua vida de pregador. Ele andava pelo mundo afora e, com certeza, se hospedava onde chegava, em casa de algum dos seus seguidores. Continuando, diz Marcos que lá juntou tanta gente que eles (Jesus e os discípulos) nem sequer podiam comer. Deduz-se que a casa ficava cheia de gente, algo parecido com as casas dos nossos políticos do interior, em época de eleições, quando os eleitores invadem literalmente o recinto e 'tomam posse' do lugar, comem à vontade, usam a casa como se fosse a casa deles próprios. Fico imaginando algo assim. É também uma das raras vezes em que o evangelho se refere a uma refeição feita por Jesus, o que era bastante natural, porque ele como pessoa humana precisava se alimentar.

No versículo 3, 22 Marcos faz uma descrição surpreendente: Mestres da Lei tinham vindo de Jerusalém para 'espiar' Jesus e o viram expulsando demônios, então diziam que ele estava possuído por Belzebu e era por isso que Ele conseguia fazer isso. Imaginemos que de Jerusalém para a Galiléia havia uma distância considerável, eram vários dias de caminhada. E os Mestres foram até lá para conferirem 'in loco' o que Jesus fazia. Certamente era por isso que havia tanta gente reunida na casa, a ponto de eles (Jesus e os discípulos) nem terem condições de fazer suas refeições. Foi então que Jesus, sabendo dos comentários dos Mestres, passou a explicar: como é que satanás vai expulsar satanás? Como é que o demônio estaria agindo contra si próprio? Os Mestres não sabiam explicar o que Jesus fazia e ao mesmo tempo não queriam aceitar a sua divindade, então ficavam dizendo que ele estava possuído pelo espírito do mal.

Neste contexto, Jesus fez uma afirmação que pode ser entendida como uma ameaça terrível: (Mc 3, 28) tudo será perdoado aos homens, todo pecado e toda blasfêmia, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, será culpado de um pecado eterno. A tradução da CNBB está literal sobre o texto de S. Jerônimo: reus erit aeterni delicti (será réu de um pecado eterno). Meus amigos, o que significa blasfemar contra o Espírito Santo? Por que isso é tão grave? Porque Jesus não agia sozinho, ele agia sempre como Trindade, em união com o Pai e o Espírito Santo. Então, dizer que ele estava possuído por um espírito do mal equivale a não acreditar no Espírito Santo e, portanto, não acreditar na Trindade divina. Nesse ponto, a leitura de hoje vem fortalecer o ensinamento do domingo anterior, festa da Santíssima Trindade. Não acreditar que Jesus é filho de Deus e age em união com o Espírito Santo é negar a Trindade. Ora, o mistério da Trindade é o centro da fé cristã, por isso que negar o Espírito Santo é cometer um delito imperdoável. É um pecado daquela categoria que será retido, conforme expliquei no domingo anterior.

Enquanto os judeus desacreditavam n'Ele, não admitiam a Sua divindade, não reconheciam n'Ele o Messias prometido, Jesus tentava explicar melhor, inventava parábolas, fazia referências à Torá, sobretudo ao livro de Isaías, tinha toda paciência. Mas quando a descrença se dirigiu ao Espírito Santo, que foi confundido com um espírito do mal, então Jesus se enfureceu. Diz Marcos (3, 21) que os parentes de Jesus saíram em sua defesa para agarrá-lo, porque ele parecia estar fora de si. Isso faz lembrar aquele memorável acontecimento em que Ele tomou um chicote e saiu dando surra nos vendedores que estavam ocupando os espaços do templo, dizendo que a casa do Pai é casa de oração, não um covil de ladrões. São as duas vezes em que o evangelho fala de atitudes ríspidas e violentas de Jesus, exatamente quando a descrença dos judeus se voltava contra a Trindade. No caso do templo, em relação ao Pai; no caso da expulsão dos demônios, em relação ao Espírito Santo. Nesses casos, Ele foi tomado por uma 'santa ira', a ponto de ficar fora de si.

Quando os parentes de Jesus chegaram onde ele estava, havia tanta gente reunida que eles não conseguiram chegar perto. Então, mandaram recado pra Ele informando que estavam ali. É quando o evangelho cita aquela famosa frase que é motivo de divergência entre católicos e não-católicos há séculos: (Mc 3, 32) Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. O texto latino de S. Jerônimo assim diz: “mater tua e fratres tui foris quaerunt te”. Todos nós sabemos que 'mater' é mãe e 'fratres' é irmãos, a tradução literal é inevitável. Comparemos com o texto grego original, transliterado para o nosso idioma: ê mater auton kai oi adelphoi auton = a tua mãe e os teus irmãos. Vemos que a tradução de S. Jerônimo foi também literal. A questão está no alcance do vocábulo grego 'adelphoi', plural de 'adelphos' que na língua grega significa irmão, tanto no sentido de filho dos mesmos pais quanto no sentido de um familiar, um parente próximo. A palavra 'adelphê = irmã; a palavra adelphideos = sobrinho; a palavra 'adelphixis' = fraternidade. Vê-se que o radical 'adelph' é comum às palavras relacionadas com irmandade, fraternidade. Sabe-se que, naquela época, as famílias congregavam sob o mesmo teto as pessoas até o sétimo grau de parentesco, comparando com os dias de hoje, seria desde o tataravô até o tataraneto, todos eram tidos como uma família no sentido mais extenso, portanto, genericamente, eram irmãos entre si. Este é o argumento teológico do catolicismo para justificar que Jesus é filho unigênito de Deus. Porém, não resolve a questão de que Maria pode ter tido outros filhos, que não foram concebidos pelo Espírito Santo, e neste caso, seriam irmãos de Jesus somente pela 'carne' não pelo Espírito. No entanto, a Igreja Católica, desde os primeiros tempos, sempre afirmou que Jesus é único filho de Maria e com base nesta tradição, a doutrina teológica mantém esta afirmação.

Agora, porém, vem a parte mais desconcertante da história, na resposta que Jesus deu aos seus interlocutores: minha mãe? Meus irmãos? Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E diz Marcos (3, 34): olhando para os que estavam sentados ao seu redor disse: aqui estão minha mãe e meus irmãos... quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Esta resposta de Jesus pode ser entendida num sentido negativo e num sentido positivo. Os que a entendem no sentido negativo, concluem que Jesus estava menosprezando os seus parentes humanos, como se não desse valor a estes, como se Ele dissesse: eu não tenho parentes. Mas se nós entendermos no sentido positivo, vamos concluir que Jesus estava afirmando que, tanto os seus parentes pelo ramo familiar quanto aqueles que ali estavam e acreditavam n'Ele, uns e outros são seus irmãos, irmãs e mãe, ou seja, Ele estava colocando no mesmo nível de importância os seus parentes da família humana e os novos parentes na fé em sua doutrina. Então, além de não estar desprezando seus familiares, Jesus estava elevando os seus seguidores ao mesmo nível de irmandade que eles. Fazendo um inteligente contraponto dialético entre a afirmação acima de que quem não crê no Espírito (portanto, não crê na Trindade) é réu de um pecado eterno, esta nova afirmação de que 'quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe', é como se Ele estivesse afirmando: quem crê na Trindade está comigo, ou seja, fica meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu familiar, meu parente e, como resultado, terá seus pecados perdoados e terá a salvação eterna.

Meus amigos, essa afirmação de Jesus se estende no tempo e nos alcança hoje. Se fizermos a vontade de Deus, nos tornaremos um com Ele. Se cumprirmos o seu mandamento, seremos considerados irmãos e irmãs d'Ele, já imaginaram que imensurável privilégio e que dadivosa promessa? Só depende de nós para sermos irmãos e irmãs de Jesus, porque a Sua irmandade, Ele já nos ofereceu.