COMENTÁRIO
LITÚRGICO – 1º DOMINGO DO ADVENTO – VIGILATE – 30.11.2019
Caros Leitores,
Neste 1º
domingo do advento, damos início ao ano litúrgico católico de
2020, antecipando-se ao ano civil, de acordo com o calendário
eclesiástico. No domingo passado, tivemos o último domingo do ano
litúrgico de 2019, com a celebração da festa de Cristo Rei. Os
anos litúrgicos seguem uma sucessão de três conjuntos de leituras,
distinguidos como anos A, B e C, para que as leituras não se repitam
todos os anos. O ano de 2019 seguia a série C e o novo ano que se
inicia faz parte da série A. Nesta, segue-se preferencialmente o
evangelho de Mateus para as leituras dominicais, que são
complementadas com uma do Antigo Testamento e uma carta apostólica.
Esta antecipação é necessária para que o tempo do Advento, que é
dividido em quatro semanas, possa ser integralmente completado antes
do Dia de Natal.
A
propósito da festa do Natal, é um assunto já bem conhecido por
todos que a celebração do dia 25 de dezembro é apenas uma data
simbólica, posto que o nascimento de Cristo deve ter ocorrido, com
maior probabilidade, no mês de março. Porém, esta celebração do
Natal de Jesus em 25 de dezembro já existe desde o século IV, isto
é, há mais de 1.600 anos. Foi quando o imperador Constantino,
convertido ao cristianismo, instituiu a celebração do nascimento de
Jesus nesta data, substituindo uma antiga festa pagã que era
comemorada nesta data, qual seja, uma festa romana dedicada ao deus
Saturno (saturnália), que se prolongava por uma semana, indo do dia
17 ao dia 24 de dezembro, período em que ocorre o solstício de
inverno no hemisfério norte. Depois de tantos séculos em que a
civilização ocidental associa o Natal de Jesus com o dia 25 de
dezembro, não faz mais nenhum sentido propor uma mudança de data,
para adequar ao período mais provável. Associado a esse simbolismo,
o ano litúrgico se constitui com datas e períodos que rememoram os
fatos comemorados, não devendo ser tomadas essas datas como corretas
do ponto de vista histórico. Isso em nada compromete a grandeza e a
importância das festas que comemoramos nessa época do ano. Nada
obstante os esquemas comerciais incorporados ao Natal, desviando o
seu verdadeiro sentido, nós cristãos devemos celebrar o tempo do
advento com o espírito de verdadeira conversão, preparando-nos a
vinda do Senhor.
As
leituras litúrgicas deste primeiro domingo recomendam a vigilância
e a prontidão, porque ninguém
sabe o dia em que o Senhor virá. A
primeira leitura, de
Isaías (Is 2, 1-5), narra uma visão tida pelo Profeta sobre
Jerusalém, em cujo monte está
firmemente estabelecida a casa do Senhor:
de lá, vem a palavra
do Senhor. Para lá, acorrerão as nações e os povos todos. O
nome “Jerusalém” significa “cidade da paz” e esse simbolismo
está contido na visão do Profeta, segundo a qual os seus habitantes
“transformarão
suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em
armas uns contra os outros e não mais travarão combate
” (Is 2, 4) Esta
visão do profeta
Isaías, transportada para os
dias de hoje, aplica-se
à Igreja de Cristo, firmemente
estabelecida no monte da casa do Senhor, referindo-se ainda, numa
visão de futuro, à Jerusalém celeste, onde se encontra Cristo
ressuscitado. O Cristo que nasce menino na festividade do Natal é o
mesmo que se encontra glorioso na Jerusalém celeste. O simbolismo do
seu (re)nascimento a cada ano nos convida a também internamente
reavivar
em nós mesmos o espírito
cristão que se formou em nosso
íntimo
pelo batismo e que se consolidou na nossa formação religiosa, pela
qual somos chamados a dar testemunho dos ensinamentos que recebemos.
No advento, a cada ano, Cristo quer renascer em cada um de nós e,
para isso, Ele requer nossa disponibilidade e nossa participação. O
verdadeiro natal é o que deve ocorrer no coração de cada crente,
onde devemos montar o verdadeiro presépio para acolher o que vai
nascer. A Belém dos nossos dias deve ser encontrada no coração de
cada cristão, que se prepara para celebrar a festa do Natal. Daí o
tema deste domingo ser, como
diz o apóstolo Paulo na sua carta aos Romanos, o tempo
de despertar.
Passando,
então, à segunda leitura, da
Carta aos Romanos (Rm 13, 11-14), o Apóstolo exorta os cristãos de
Roma para que se dispam das ações das trevas e se revistam das
armas da luz, porque a salvação
está a cada dia
mais próxima, coonforme a promessa de Jesus.
Ele,
com certeza, faz essas
recomendações
aos Romanos numa época em que as
festas da saturnália ainda
eram muito populares, com suas orgias, comilanças e licenciosidades,
e recomenda:
“Procedamos
honestamente, como em pleno dia: nada de glutonerias e bebedeiras,
nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades.”
(Rm 13, 13) Tudo isso era o que realmente as pessoas faziam naquelas
festas pagãs, as quais são
representadas nos dias de hoje com o carnaval.
Porém, os cristãos não devem proceder iguais a eles, mas devem dar
o exemplo de filhos da luz. Recordemo-nos ainda
que Paulo pregava em Roma nos tempos de Nero, quando o cristianismo
era uma religião proscrita e os cristãos eram tidos como inimigos
do Estado Romano, precisando reunir-se às escondidas, para a
celebração dos seus cultos religiosos. Paulo pregava nas catacumbas
e apenas secretamente visitava as residências dos cristãos romanos,
correndo o risco de ser denunciado e preso, como de fato o foi por
diversas
vezes. Mas o risco valia a pena, porque divulgar o cristianismo em
Roma, a capital do mundo de então, significava muito para a
propagação
de sua doutrina. A prova está em que, quando Constantino decretou a
liberdade religiosa, grande parte da comunidade romana já era adepta
do cristianismo, embora não demonstrassem publicamente.
A
leitura do evangelho é retirada de Mateus. Lemos hoje o texto do
cap. 24, 37 a 44, no qual Jesus fala aos discípulos sobre a sua
vinda nos últimos tempos. Assim como nos tempos de Noé ocorreu o
dilúvio, quando
ninguém esperava,
assim também será a vinda gloriosa de Cristo. Por isso, todos devem
estar despertos, porque na hora em que menos se esperar, o Filho do
Homem virá. Sorrateiro como um ladrão, o Filho do Homem
surpreenderá
muita gente dormindo.
Ninguém sabe quando será este dia, ou melhor, ninguém sabe quando
será o seu dia. Na atualidade, a reflexão teológica prefere
interpretar esses discursos escatológicos de Jesus de forma
diferente do que tradicionalmente se entendia, isto é, não como um
fenômeno coletivo, de proporções globais, mas como um evento
privado que acontece na vida de cada pessoa. De fato, o Senhor já se
encontra na sua glória e, em vez de ser Ele que venha ao nosso
encontro, nós é que nos dirigiremos ao
encontro dele. Vejamos o texto
do evangelho: “Dois
homens estarão trabalhando no campo: um será levado e o outro será
deixado. Duas mulheres estarão moendo no moinho: uma
será levada e a outra será deixada.”
(Mt.
24, 40-41) Se o evento final
fosse de ordem generalizada, como
ensinou a catequese tradicional, todos
seriam arrebatados simultaneamente, não faria sentido um ser levado
e outro deixado. Se o final dos
tempos fosse ocorrer como um grande cataclismo de proporções
gigantescas, como entenderam os artistas da Renascença e assim
pintaram nos seus quadros clássicos, não ocorreria de alguém ser
poupado, mas a destruição alcançaria a todos. Será mais lógico
concluir que essa arrebatação para prestar contas das suas ações
deverá ocorrer
em nível individual, não
global. Por isso é que cada um
deve estar sempre vigilante, pois ninguém sabe o dia nem a hora em
que isso ocorrerá.
Portanto,
o ensinamento de Paulo sobre o tempo de despertar não se refere a um
tempo abstrato e indefinido, mas ao nosso tempo existencial. A nossa
fé em Cristo deve ser renovada a cada dia, e o período do advento é
o tempo mais propício para que despertemos a nossa consciência para
essa realidade inafastável, que é o fim dos nossos dias, porque
estes têm um prazo até certo ponto previsível. A contagem da nossa
vida em meses e anos nos dá a medida para cada um avaliar a chegada
ao final da carreira, quando deveremos estar com a fé robustecida e
a esperança sempre renovada. Neste tempo do advento, a liturgia nos
leva a fazer esta reflexão realista, não como forma de intimidação
ou aterrorização, mas como exercício de vivermos conscientes e
centrados nos nossos compromissos de cristãos.
Aproveitemos
o tempo do advento para renovar a cada dia a nossa fé na divina
promessa.
****