COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO
COMUM – A SOLIDARIEDADE – 13.10.2019
Caros Leitores,
Neste 28º domingo comum, as leituras
da liturgia enfocam um tema muito característico da vida pública de
Jesus e que tem sido muito colocado em prática pelo Papa Francisco:
a solidariedade com os sofredores. Compadecer-se e emprestar apoio às
pessoas que passam por dificuldades ou necessidades é uma das obras
de misericórdia ensinadas no catecismo. Meses atrás, o Papa mandou
construir banheiros públicos confortáveis para os moradores de rua
do Vaticano e é visto, com frequência, ele em pessoa distribuindo
alimento para essas pessoas. Não poderia ter sido escolhida melhor
data para a oficialização da santidade da Irmã Dulce, que viveu na
solidariedade com os pobres de Salvador. Todos devemos também sempre
nos lembrar de agradecer os favores recebidos e sentir a felicidade
de poder ser útil aos irmãos, porque a vida de cada dia é uma
grande dádiva que Deus nos concede a cada amanhecer.
Na primeira leitura, do segundo livro
dos Reis (5, 14-17), lemos o episódio da cura de um estrangeiro, o
sírio Naaman. O profeta Eliseu compadeceu-se daquele homem enfermo,
que veio de um país distante pedir ajuda e, através do seu dom
profético, receitou-lhe um “plano de cura”, demonstrando com
isso que Javeh é Deus não apenas dos hebreus, mas também dos povos
estrangeiros. A misericórdia de Deus não alcança apenas aqueles
que o louvam e lhe oferecem sacrifícios, mas a todas as pessoas de
coração sincero. Naaman representa todas as raças e nações que
não nasceram sob o signo da aliança com Javeh, ou seja, ele é um
exemplo precoce da nossa situação de cristãos, que não somos
descendentes dos povos da aliança, no entanto, estamos todos
alcançados por ela. Esta mesma mensagem da presença de Deus também
nos povos indígenas está sendo lançada ao mundo agora pelo Sínodo
da Amazônia e, assim como na época do profeta Eliseu, muitos
católicos não estão percebendo que Jesus se manifesta em todos e
não apenas dentro da Igreja Católica.
Duas particularidades chamam a nossa
atenção no episódio da cura de Naaman. Primeiro, o fato de ele não
ter acreditado de início. Na leitura de hoje, não há esse trecho,
mas nos versículos anteriores, o autor sagrado narra que Naaman
teria se recusado, quando o profeta Eliseu mandou que ele fosse tomar
banho sete vezes no rio Jordão. Ora, disse ele, na minha terra há
rios de águas mais límpidas e cristalinas, porque tenho eu de tomar
banho nesse rio sujo daqui? Foi quando um servo ponderado o
repreendeu: se o profeta tivesse mandado fazer algo difícil, tu
farias, então por que não fazes isso, que é tão fácil? Naaman,
que era uma pessoa sensata, compreendeu e obedeceu. E por que sete
banhos? Porque Deus não faz sozinho as coisas para nós, ele quer a
nossa participação, ele não entrega o objeto já pronto. Naaman
precisou cumprir os sete banhos para, no final, ficar sarado. Se ele
não tivesse colaborado com a sua parte integralmente, banhando-se as
sete vezes, a cura não teria ocorrido. Nós também precisamos fazer
a nossa parte completamente, para ficarmos em condições de receber
a misericórdia divina.
A segunda particularidade que
destacarei no episódio de Naaman é o seu agradecimento. Tão logo
percebeu que estava curado, ele retornou ao profeta Eliseu para
agradecer. Na verdade, ele queria pagar pela cura e o profeta
recusou-se totalmente a receber qualquer retribuição. Os dons de
Deus não estão à venda, não são objeto de comércio. Naaman
tinha a mentalidade pagã de que a divindade deve ser agraciada com
bens em troca dos favores recebidos. Mas o profeta fê-lo perceber
que a cura dele foi uma manifestação da solidariedade gratuita de
Javeh para com o sofrimento dele, mesmo não sendo ele um dos seus
fiéis. Em agradecimento, Naaman levou consigo uma porção da terra
de Israel, para que pudesse louvar a Javeh em seu país distante,
fazendo um altar com aquele material. Sem esquecer ainda que o banho
miraculoso de Naaman no rio Jordão foi uma antecipação do batismo
de Jesus, que ocorreria naquele mesmo rio, séculos depois. Foi como
se o profeta Eliseu estivesse antecipando o que seria a pregação
futura de João Batista naquele local.
Na segunda leitura, prosseguindo a
carta a Timóteo que vem sendo lida nesses últimos domingos, o
apóstolo Paulo, sofrendo as agruras da prisão por causa do
evangelho, busca a solidariedade do discípulo no seu infortúnio,
destacando a fidelidade de Deus, mesmo quando nós somos infiéis a
ele (2Tim 2, 13). Certamente, Paulo temia que a prisão dele pudesse
arrefecer os ânimos dos cristãos que ele convertera e era
necessário que o ânimo de todos não se abatesse. E se ele não
podia, naquelas circunstâncias, continuar pregando a palavra, era
dever de Timóteo e de todos os fiéis fazê-lo. As orações da
comunidade e os relatos do seu testemunho de “suportar
qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a
salvação, que está em Cristo Jesus”
eram uma demonstração de solidariedade recíproca: do Apóstolo e
dos discípulos dele.
Na
leitura do evangelho de Lucas (17,11-19), temos aquele conhecido
episódio da cura dos dez leprosos, dos quais apenas um retornou para
agradecer. E Jesus cobra essa desatenção perante a comunidade que
assistiu ao retorno daquele estrangeiro agradecido. Convém recordar
que a lepra era, desde tempos remotos e até tempos recentes, uma
moléstia segregativa incurável. Os doentes eram obrigados a sair da
cidade e viver à distância, às margens das estradas, única forma
que tinham para não morrerem de fome, já que também não podiam
trabalhar. Na sua caminhada para Jerusalém, Jesus deve ter
encontrado vários grupos deles, assim como todos os viajantes
encontravam e, em geral, os socorriam com bens materiais. Mas no caso
do episódio narrado pelo evangelista, eles queriam do viajante Jesus
algo mais valioso do que o alimento: a cura. As notícias sobre o
poder de Jesus corriam de boca em boca, impossível não saber de
quem se tratava naquela comitiva passante. O evangelista não
menciona o nome de nenhum dos dez enfermos curados, nem mesmo daquele
que retornou para agradecer, porque o seu intuito era destacar a
solidariedade de Jesus para com os sofredores, inclusive com os
estrangeiros, pois a misericórdia divina não se destina apenas a um
grupo de eleitos, mas a todos os povos. No caso específico, o fato
de somente um samaritano ter retornado para agradecer possui um
simbolismo especial. Para os hebreus, samaritano era mais do que um
estrangeiro, era um inimigo. O destaque que Jesus dá ao samaritano,
assim como aos estrangeiros em geral, significa que todas as pessoas
de boa vontade, mesmo não pertencendo ao “povo da aliança”, têm
garantida a solidariedade divina.
O
agradecimento demonstrado pelo leproso samaritano curado, posto em
evidência por Jesus, nos proporciona diversas
lições.
Primeiro, que sempre devemos nos lembrar de agradecer. Não é que
Jesus precisasse daquele agradecimento, porque ele sempre fez tudo de
forma absolutamente gratuita e às vezes até proibia que as pessoas
saíssem falando a respeito dele. Portanto, o elogio pelo
agradecimento daquele que retornou, e ao mesmo tempo a crítica pelos
que não retornaram, não significa que Jesus quisesse isso,
esperasse por isso, mas vem
nos ensinar que devemos ser agradecidos com os que nos são
solidários. Segundo, tal como no caso de Naaman, Jesus também não
curou os dez leprosos imediatamente, mas mandou que antes eles
fizessem alguma coisa, no caso, mandou que eles fossem se apresentar
ao sacerdote. E, enquanto caminhavam, eles observaram que estavam
curados. Novamente aqui está presente a mesma lição de que, para
recebermos as graças divinas, nós precisamos fazer a nossa parte e
não ficarmos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam
automaticamente.
Terceiro, Jesus chamou a atenção para os outros nove curados, que
eram hebreus e, tal como os fariseus, tinham o coração insensível,
eram
incapazes
de
reconhecer os favores recebidos
e de saber agradecer por
eles.
Já o samaritano, que era odiado pelos hebreus, soube
demonstrar
o reconhecimento que os outros não
tiveram.
E
Jesus louva a fé daquele estrangeiro, pois foi
por ela que ficou curado. Não só neste caso, mas em diversos outros
momentos,
Jesus sempre repetiu o mesmo bordão: vai em paz, a tua fé te
salvou.
Meus
amigos, se nós nos acostumarmos a observar os acontecimentos do dia
a dia, iremos enxergar que Deus nos cumula de favores a todo momento,
até mesmo sem que nós mereçamos ou peçamos. Deus é sempre
solidário conosco, pedindo de nós a recíproca, isto é, o mesmo
espírito de solidariedade para com os irmãos, especialmente os mais
necessitados. Ser solidário significa fornecer ajuda sem nenhum
interesse. O exemplo do profeta Eliseu ao recusar o presente
oferecido por Naaman nos indica a conduta correta a ser seguida,
quando Deus se serve de nós para prestar auxílio a alguém: os dons
divinos não são mercadorias, são recebidos de graça e são
distribuídos gratuitamente. E a atitude de Jesus, ante aquele
samaritano agradecido, prostrado aos pés dele em pose de
subserviência, é também significativa e modelar: levanta-te e vai
em paz, foi a tua fé que te salvou. Quando nós prestamos a
solidariedade a alguém, estamos agindo como intermediários dos dons
divinos e aquelas pessoas beneficiadas nada nos devem, nem um favor.
Na verdade, nós é que estamos retribuindo, porque fomos antes
favorecidos.
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