COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO
COMUM – ESCATOLOGIA – 17.11.2019
Caros Leitores,
A liturgia deste 33º domingo comum
traz, nas leituras, o discurso escatológico, isto é, a liturgia nos
convida a refletir sobre aquelas coisas que ocorrerão no final dos
tempos. A parte da teologia que trata desse tema é chamada de
escatologia e isso é o que nós aprendemos no catecismo com o nome
de “novíssimos”, ou seja, a segunda vinda de Cristo. Numa
leitura apressada, parece que Jesus quer nos aterrorizar, falando de
catástrofes, guerras, epidemias, que antecederão o final dos
tempos. Contudo, é necessário perceber com outra mentalidade a
descrição desses acontecimentos, que já foram motivos, no passado
e ainda hoje, de deixar muita gente com insônia.
O objetivo não é aterrorizar. Na
verdade, as leituras litúrgicas nos convidam a ter vigilância e
prudência, como características reais da vida do cristão, crente
na promessa de Cristo de que retornará no final dos tempos e, como
não se sabe quando nem como será tal apoteose, deve-se estar sempre
preparado. A conhecida descrição evangélica dos últimos tempos já
foi objeto de interpretações variadas ao longo da história. Não
faltam “profetas” apressados, para apontar, nos fatos sociais
ocorridos em diversas ocasiões, outrora como hoje em dia, uma
associação com as predições de Cristo sobre o final dos tempos.
Com efeito, se observarmos os fatos contemporâneos, até parece que
a leitura bíblica está se referindo a eles. Sempre que alguma
notícia sobre fatos inesperados ou incompreensíveis é divulgada,
os “profetas” e “videntes” tentam identificar neles as
catástrofes escatológicas. Porém, o próprio Cristo disse que
somente o Pai sabe quando será isso e nem ao Filho Ele o revelou.
Portanto, qual desses profetas e videntes é mais sabido do que o
Filho? Com efeito, quando Jesus falou aquelas coisas terríveis,
referia-se historicamente à dominação romana na Palestina, à
destruição de Jerusalém, às perseguições dos primeiros
cristãos, ou seja, quando o evangelista Lucas escreveu seu
evangelho, tais fatos já tinham realmente acontecido. Jesus, porém,
havia afirmado: isso não é o fim, ou seja, essas perseguições não
irão destruir a sua doutrina nem dizimar seus seguidores.
É interessante observar que, desde o
Antigo Testamento, já havia presságios dos Profetas acerca de maus
agouros. Na primeira leitura, do profeta Malaquias (Ml 3, 19-20),
ele se refere ao “dia,
abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão
como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor
dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo.”
(Ml 3, 19). Desde que os Patriarcas antigos narraram que houve
outrora uma grande inundação (dilúvio) e o mundo todo sucumbiu
debaixo da água, as pessoas criaram a ideia de que, da próxima vez,
o mundo seria destruído pelo fogo. Isso é uma crença muito antiga,
mas ainda recorrente na nossa cultura religiosa popular. No ano de
1910, quando estava se aproximando da terra o cometa Halley, pelos
poucos conhecimentos científicos daquela época sobre esse fenômeno
cósmico, as pessoas viam aquela imensa “bola de fogo” se
tornando cada vez maior e ficaram esperando apenas o momento final do
impacto com a terra. De repente, aquela luz se desfez, porque a terra
atravessou a cauda gasosa do cometa, e a destruição não ocorreu.
Em 1960, eu era criança, e estava apavorado, porque os adultos
diziam que “o mundo se acabaria” no dia 13 de maio daquele ano.
Nada. Em 2012, algumas pessoas afirmaram que o mundo acabaria no dia
21 de dezembro e citavam complexos cálculos matemáticos para
justificar isso, Nada aconteceu. Prevalece, assim, a palavra de
Jesus: não é o fim.
Na segunda leitura, de Paulo aos
Tessalonicenses (2Ts 3, 7-12), o Apóstolo bate cabeça com aquela
comunidade, onde se havia espalhado a informação de que Jesus
“estava para chegar”, na sua segunda vinda,
e assim as pessoas já nem queriam mais
trabalhar e viviam à toa, apenas aguardando o momento. Paulo
manda-lhes um recado desaforado: eu (Paulo), que até poderia me
prevalecer da função de pregador para obter o sustento pela
comunidade, me dedico ao trabalho dia e noite, a fim de ganhar o meu
salário, então, quem não quer trabalhar, também não deve
comer. Diz ele: “Bem
sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido
entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que
comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço.”
(2Ts 3, 7-8). Uma interpretação falsa da promessa de Cristo estava
atrapalhando a vida daquela comunidade, o que Paulo tentava
esclarecer na sua correspondência. Conforme vimos no domingo
passado, essa comunidade deu muito trabalho a Paulo. Circulou por lá
uma carta anônima, que era atribuída a Paulo e muito o preocupou
porque continha ensinamentos equivocados. Foi de lá que Paulo teve
de sair fugido, porque os judeus, a quem ele desagradara, o
procuravam para matá-lo. Enfim, uma comunidade trabalhosa, onde as
pessoas tinham dificuldade em compreender a doutrina cristã, mesmo
tendo recebido toda instrução de Paulo. Situações parecidas
ocorrem ainda hoje, quando vemos pessoas que leem a Bíblia mas, em
vez de buscar retirar da leitura o seu sentido mais coerente e
produtivo, apegam-se a detalhes insignificantes, que deturpam a
mensagem.
Precisamos, portanto, compreender esse
trecho do evangelho em concordância com os versículos que vêm a
seguir, pelos quais Jesus diz que, antes que isso aconteça, a nossa
fé passará por provações. “Antes,
porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos;
sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados
diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a
ocasião em que testemunhareis a vossa fé.”
(Lc 21, 12-13) Meus amigos, no sentido histórico, Jesus se referia
aí às perseguições pelas quais passariam os Apóstolos e os
primeiros cristãos, como de fato a história documentou. Mas no
sentido trans-histórico, o texto se refere a nós, hoje. A nossa fé
está a enfrentar contínuas provações, perseguições, ameaças
dentro e fora do ambiente religioso. Convulsões sociais, atentados
por motivo religioso, fanatismo e violência incontroláveis,
intolerância religiosa noticiada em diversos países do mundo. Esse
tipo de conduta também impaca a todos nós, que temos fé e que,
muitas vezes, não sabemos respeitar a fé alheia. O Papa Francisco
constantemente dá seu testemunho pessoal de vivência da fé em
plenitude, sendo alvo de muitas críticas e incompreensões. Ele já
está tão habituado a isso que parece não se importar. Pois bem, o
exemplo dele deve servir de modelo não apenas para os cristãos, mas
para todos os crentes das mais diversas fés, e o seu testemunho só
está a confirmar aquilo que Jesus falou no evangelho: isso não é o
fim.
Portanto, meus amigos, a narrativa de
Cristo nos convida a sermos vigilantes e prudentes, exortando-nos a
não nos deixarmos impressionar com as ameaças externas, pois o
inimigo pode estar no meio de nós: o nosso orgulho, a nossa falta de
misericórdia, a nossa soberba, a intolerância, o desamor. Essas são
as reais ameaças que nos perseguem continuamente e é em relação
elas que devemos estar sempre vigilantes.
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