quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 33º DOMINGO COMUM - 17.11.2019


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO COMUM – ESCATOLOGIA – 17.11.2019

Caros Leitores,

A liturgia deste 33º domingo comum traz, nas leituras, o discurso escatológico, isto é, a liturgia nos convida a refletir sobre aquelas coisas que ocorrerão no final dos tempos. A parte da teologia que trata desse tema é chamada de escatologia e isso é o que nós aprendemos no catecismo com o nome de “novíssimos”, ou seja, a segunda vinda de Cristo. Numa leitura apressada, parece que Jesus quer nos aterrorizar, falando de catástrofes, guerras, epidemias, que antecederão o final dos tempos. Contudo, é necessário perceber com outra mentalidade a descrição desses acontecimentos, que já foram motivos, no passado e ainda hoje, de deixar muita gente com insônia.

O objetivo não é aterrorizar. Na verdade, as leituras litúrgicas nos convidam a ter vigilância e prudência, como características reais da vida do cristão, crente na promessa de Cristo de que retornará no final dos tempos e, como não se sabe quando nem como será tal apoteose, deve-se estar sempre preparado. A conhecida descrição evangélica dos últimos tempos já foi objeto de interpretações variadas ao longo da história. Não faltam “profetas” apressados, para apontar, nos fatos sociais ocorridos em diversas ocasiões, outrora como hoje em dia, uma associação com as predições de Cristo sobre o final dos tempos. Com efeito, se observarmos os fatos contemporâneos, até parece que a leitura bíblica está se referindo a eles. Sempre que alguma notícia sobre fatos inesperados ou incompreensíveis é divulgada, os “profetas” e “videntes” tentam identificar neles as catástrofes escatológicas. Porém, o próprio Cristo disse que somente o Pai sabe quando será isso e nem ao Filho Ele o revelou. Portanto, qual desses profetas e videntes é mais sabido do que o Filho? Com efeito, quando Jesus falou aquelas coisas terríveis, referia-se historicamente à dominação romana na Palestina, à destruição de Jerusalém, às perseguições dos primeiros cristãos, ou seja, quando o evangelista Lucas escreveu seu evangelho, tais fatos já tinham realmente acontecido. Jesus, porém, havia afirmado: isso não é o fim, ou seja, essas perseguições não irão destruir a sua doutrina nem dizimar seus seguidores.

É interessante observar que, desde o Antigo Testamento, já havia presságios dos Profetas acerca de maus agouros. Na primeira leitura, do profeta Malaquias (Ml 3, 19-20), ele se refere ao “dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo.” (Ml 3, 19). Desde que os Patriarcas antigos narraram que houve outrora uma grande inundação (dilúvio) e o mundo todo sucumbiu debaixo da água, as pessoas criaram a ideia de que, da próxima vez, o mundo seria destruído pelo fogo. Isso é uma crença muito antiga, mas ainda recorrente na nossa cultura religiosa popular. No ano de 1910, quando estava se aproximando da terra o cometa Halley, pelos poucos conhecimentos científicos daquela época sobre esse fenômeno cósmico, as pessoas viam aquela imensa “bola de fogo” se tornando cada vez maior e ficaram esperando apenas o momento final do impacto com a terra. De repente, aquela luz se desfez, porque a terra atravessou a cauda gasosa do cometa, e a destruição não ocorreu. Em 1960, eu era criança, e estava apavorado, porque os adultos diziam que “o mundo se acabaria” no dia 13 de maio daquele ano. Nada. Em 2012, algumas pessoas afirmaram que o mundo acabaria no dia 21 de dezembro e citavam complexos cálculos matemáticos para justificar isso, Nada aconteceu. Prevalece, assim, a palavra de Jesus: não é o fim.

Na segunda leitura, de Paulo aos Tessalonicenses (2Ts 3, 7-12), o Apóstolo bate cabeça com aquela comunidade, onde se havia espalhado a informação de que Jesus “estava para chegar”, na sua segunda vinda, e assim as pessoas já nem queriam mais trabalhar e viviam à toa, apenas aguardando o momento. Paulo manda-lhes um recado desaforado: eu (Paulo), que até poderia me prevalecer da função de pregador para obter o sustento pela comunidade, me dedico ao trabalho dia e noite, a fim de ganhar o meu salário, então, quem não quer trabalhar, também não deve comer. Diz ele: “Bem sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço.” (2Ts 3, 7-8). Uma interpretação falsa da promessa de Cristo estava atrapalhando a vida daquela comunidade, o que Paulo tentava esclarecer na sua correspondência. Conforme vimos no domingo passado, essa comunidade deu muito trabalho a Paulo. Circulou por lá uma carta anônima, que era atribuída a Paulo e muito o preocupou porque continha ensinamentos equivocados. Foi de lá que Paulo teve de sair fugido, porque os judeus, a quem ele desagradara, o procuravam para matá-lo. Enfim, uma comunidade trabalhosa, onde as pessoas tinham dificuldade em compreender a doutrina cristã, mesmo tendo recebido toda instrução de Paulo. Situações parecidas ocorrem ainda hoje, quando vemos pessoas que leem a Bíblia mas, em vez de buscar retirar da leitura o seu sentido mais coerente e produtivo, apegam-se a detalhes insignificantes, que deturpam a mensagem.

Na leitura do evangelho de Lucas (Lc 21, 5-19), Jesus faz aquela famosa previsão da destruição do templo de Jerusalém, que era entendida pelos judeus como a maior desgraça que lhes poderia acontecer. “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.'” (Lc 21, 6) Esse fato histórico se deu no ano 70, quando o exército romano invadiu Jerusalém e destruiu o templo. No entanto, perguntando os ouvintes a Jesus quando aquilo iria ocorrer, ele respondeu evasivamente: “cuidado para não serdes enganados...” (Lc 21, 8), porque muitas pessoas irão dizer que o tempo está próximo, mas não acreditem nessa gente. Muitas coisas irão acontecer: guerras, revoluções, tsunamis, terremotos, queimadas, desastres ambientais, mas as piores são aquelas coisas perpetradas pela maldade dos homens: “'Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu.” (Lc 21, 10-11). Nesta época do ano, em diversas partes do mundo, acontecem grandes incêndios, compatíveis com a estação seca e quente. A cidade italiana de Veneza está sofrendo forte inundação, como há muito não ocorria, causada pelo desequilíbrio climático. Muitas pessoas talvez venham a associar esses fatos naturais com a leitura do evangelho, quando na verdade, sabe-se que essas catástrofes estão relacionadas com o mau uso dos recursos naturais pelos países ricos, forçando o desequilíbrio na atmosfera. Essa crença ainda é comum, por causa daquela vetusta catequese tradicional, que apelava sempre para a ameaça aos castigos de Deus, como forma de convencer as pessoas a praticarem o bem. Mas Jesus continua nos exortando: ainda não é o fim.
Precisamos, portanto, compreender esse trecho do evangelho em concordância com os versículos que vêm a seguir, pelos quais Jesus diz que, antes que isso aconteça, a nossa fé passará por provações. “Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé.” (Lc 21, 12-13) Meus amigos, no sentido histórico, Jesus se referia aí às perseguições pelas quais passariam os Apóstolos e os primeiros cristãos, como de fato a história documentou. Mas no sentido trans-histórico, o texto se refere a nós, hoje. A nossa fé está a enfrentar contínuas provações, perseguições, ameaças dentro e fora do ambiente religioso. Convulsões sociais, atentados por motivo religioso, fanatismo e violência incontroláveis, intolerância religiosa noticiada em diversos países do mundo. Esse tipo de conduta também impaca a todos nós, que temos fé e que, muitas vezes, não sabemos respeitar a fé alheia. O Papa Francisco constantemente dá seu testemunho pessoal de vivência da fé em plenitude, sendo alvo de muitas críticas e incompreensões. Ele já está tão habituado a isso que parece não se importar. Pois bem, o exemplo dele deve servir de modelo não apenas para os cristãos, mas para todos os crentes das mais diversas fés, e o seu testemunho só está a confirmar aquilo que Jesus falou no evangelho: isso não é o fim.

Portanto, meus amigos, a narrativa de Cristo nos convida a sermos vigilantes e prudentes, exortando-nos a não nos deixarmos impressionar com as ameaças externas, pois o inimigo pode estar no meio de nós: o nosso orgulho, a nossa falta de misericórdia, a nossa soberba, a intolerância, o desamor. Essas são as reais ameaças que nos perseguem continuamente e é em relação elas que devemos estar sempre vigilantes.

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