Caros Confrades,
A liturgia deste domingo (6º do tempo comum) nos traz para reflexão a questão dos preconceitos sociais, da discriminação das pessoas por causa da sua condição pessoal ou social.
Na primeira leitura, retirada do Levítico (13, 1), temos o caso do leproso, que devia se apresentar ao sacerdote e depois afastar-se do convívio social, usar roupas rasgadas e passar a morar fora dos limites da cidade. E quando alguém, inadvertidamente, se aproximasse, ele deveria gritar 'impuro, impuro', para que a pessoa se afastasse. Assim estava prescrito na lei hebraica (antigo testamento).
Ao lermos o livro do Levítico, devemos atentar para o fato de que o seu conteúdo trata de uma espécie de código de condutas para o povo, como hoje nós temos as leis baixadas pelos governos. É lá também no Levítico (cap 15) que existe aquela norma onde está prescrito que a mulher menstruada fica impura durante todo o período em que correr o fluxo, não podendo frequentar o templo. E todos aqueles que nela tocarem, também ficarão impuros e sofrerão as mesmas restrições. O Levítico, assim como o livro dos Números, são na verdade tópicos da legislação hebraica que foram colocados na Torah como regras divinas, quando de fato são regras de conduta social, padronização de costumes. O fato de constarem na Bíblia significa que, naquela época, qualquer lei era entendida como norma dada por Javeh, devido à natureza religiosa da nação hebraica. Era como se fosse um Estado religioso. Nos dias de hoje, nós temos ainda alguns exemplos de países que têm essa mesma estrutura político-religiosa, onde a lei religiosa se confunde com a lei civil. É o caso, por exemplo, do Irã, do Afeganistão, onde a lei religiosa (o Corão) como que substitui as leis e a constituição do país. Hoje em dia, nós conhecemos o direito hebraico através dessas normas legais misturadas com preceitos religiosos que existem esparsos na Bíblia, mas se concentram no Levítico, nos Números, no Deuteronômio.
Pois bem. A lei hebraica, portanto, excluía da sociedade as pessoas portadoras de lepra. Era como se fosse uma regra de saúde pública. A lepra era uma doença para a qual não existiam remédios e a cura dificilmente acontecia. Ao mesmo tempo, era uma doença de alto contágio. Essa regra da exclusão social dos leprosos prevaleceu na sociedade mundial até bem pouco tempo. Todos os Confrades se lembram da Colônia de Antonio Diogo, que era assistida pelas Irmãs Capuchinhas e os Frades de Guaramiranga celebravam missa lá. Eu tive oportunidade de visitar na companhia de Frei Timóteo, ainda nos anos 60. isso deve ter acontecido com vocês. Tinha também a Colônia do Carpina, em Parnaíba, quem morou lá em São Sebastião deve se lembrar. Atualmente, não existe mais esta segregação por causa da lepra, que passou a ser uma doença muitas vezes curável e, em geral, controlada por medicamentos.
Mas a 'lepra' dos nossos dias é a AIDS. Aquela mesma atitude de nojo e afastamento que antes a sociedade dirigia aos leprosos, hoje é comum em relação às pessoas aidéticas. Todos sabem que a AIDS não se comunica pelo ar ou pelo contato com a pele, mas existe um grande preconceito e uma grande ojeriza das pessoas em geral em relação aos aidéticos ou portadores do vírus HIV. Este é o maior drama vivido pelas pessoas acometidas dessa síndrome: a solidão em que se veem colocadas, o afastamento dos amigos, o desprezo e a exclusão da sociedade. Não conseguem emprego, tornam-se verdadeiros mortos-vivos.
Mas nós vemos, na leitura do evangelho de Marcos (1, 40), a atitude de Jesus em relação ao leproso que se aproximou dele e demonstrou toda a sua fé. “Se queres, disse ele a Jesus, tens o poder de curar-me”. E Jesus disse: “quero, fica curado”. E na mesma hora, ele ficou limpo. Porém, cumpridor da Lei, Jesus mandou aquele homem ir se apresentar ao sacerdote e não contar nada a ninguém. Ora, quanto a ir apresentar-se ao sacerdote, isso era fácil. O difícil era ficar calado diante daquele fato. E o homem curado saiu mostrando a todos e contando a todos o que lhe tinha acontecido, atraindo cada vez mais multidões para ver Jesus e ouvir seus ensinamentos, ao ponto de, mesmo Jesus ficando fora das cidades, nos lugares desertos, as pessoas iam lá procurá-lo.
Meus amigos, o que vemos nesse exemplo de Jesus em relação ao leproso é a lição do amor ao próximo acima de qualquer preconceito. Obviamente, Jesus conhecia a Lei que mandava o leproso de afastar. Com certeza, quando aquele homem se aproximou de Jesus, as demais pessoas se afastaram dele, porque estavam vendo que ele era um 'impuro'. Jesus não apenas permitiu que ele se aproximasse, como ainda o tocou. Diz o evangelista, no versículo 41: “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: 'Eu quero: fica curado!' Pela Lei hebraica, tocar num leproso significava ficar impuro igual a ele, mas Jesus passou por cima desse pre(con)ceito. Estaria Jesus, assim, descumprindo a Lei? Por certo que não. Ele estava, mais uma vez, demonstrando que veio para aperfeiçoar a Lei, para cumpri-la de um modo novo e mais completo.
Temos, assim, dois exemplos de como lidar com o preconceito. O modo veterotestamentário, que adota o preconceito e faz dele uma regra de convívio social, excluindo os irmãos desventurados. De outro lado, temos o modo evangélico, do novo testamento, através da atitude pedagógica de Jesus, no sentido de quebrar o preconceito em nome da solidariedade, demonstrando que o amor ao próximo deve estar acima de qualquer barreira, mesmo daquelas legalmente impostas. Ou seja, Jesus vem ensinar que a lei maior, que está acima de todas as leis, não é a constituição do país, e sim a lei do amor ao próximo, esta sim é a lei básica e geral que deve dirigir a conduta de todos nós.
São Paulo, na primeira carta aos Coríntios (10, 31), corrobora este ensinamento de Jesus, sobre a lei máxima do amor ao próximo, quando diz: “Não escandalizeis ninguém, nem judeus, nem gregos, nem a igreja de Deus. Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus.” O 'escândalo' aqui deve ser entendido como tudo aquilo que pode por em risco a fé do irmão. Cada um de nós deve sempre agir de acordo com a nossa consciência, sem dúvida. Mas há algumas pessoas que, por diversas circunstâncias, têm a fé pouco madura e podem não compreender as nossas palavras ou atitudes. Então, precisamos ter cuidado para não falar coisas que possam deixar o irmão em dúvida quanto às nossas boas intenções. Isso quer dizer que o mandamento cristão de falar sempre a verdade não significa que tudo deve ser dito em qualquer ocasião e sem as devidas cautelas. Dizendo bem claramente, através de um exemplo: mesmo que um de nós saiba que um sacerdote não tem bom procedimento, isso não deve ser declarado publicamente perante pessoas que não tenham o discernimento de entender que a nossa intenção, quando assim falamos, não é faltando com a caridade, mas zelando pela integridade da nossa Igreja. Então, o respeito ao irmão cuja fé pode ser posta em perigo por um ato ou uma palavra imprópria dita por nós está também relacionado com a lei máxima do amor ao próximo, acima de qualquer preconceito ou fato social.
Enfim, caros Confrades, a liturgia nos convida a refletir sobre nosso comportamento social e a rever nossas atitudes preconceituosas, que devem ser expurgadas, em homenagem à nossa condição de autênticos cristãos.