domingo, 12 de fevereiro de 2012

4º DOMINGO COMUM – PROFETAS DE ONTEM E DE HOJE – 29.01.2012



Caros Confrades,

A liturgia deste domingo (4º do tempo comum) nos convida a refletir sobre a vocação profética. De início, deixemos de lado aquele conceito genérico de profeta ser aquele que adivinha coisas futuras. Na verdade, a palavra profeta é formada pelas palavras gregas pro+femi, sendo pro=adiante de, em lugar de e femi=manifestar, falar, que no próprio grego forma a palavra prophetés=o que fala em lugar de, sendo desde o início entendido como um intérprete dos deuses. Portanto, compreendamos o profeta bíblico como aquele que fala em nome de Javé.

O primeiro profeta bíblico foi Moisés, aquele a quem Javé encarregou, lá no monte Sinai, de ir em nome dEle falar com o Faraó para que libertasse o povo. Moisés ficou todo atrapalhado, porque ele não sabia falar assim com desembaraço e além disso, quando estivesse diante do Faraó, a quem ele (Moisés) iria se referir? Lembremo-nos de que os hebreus não pronunciavam o nome de Javeh. Então, ele perguntou ao Senhor: quem és, para que eu diga ao Faraó. E Javeh respondeu: Eu sou. Essa história todos conhecem. Então, Moisés foi o primeiro a falar em nome de Javé, por ordem dele.

Na primeira leitura de hoje, do Deuteronômio, lemos a ordem de Javeh dizendo que vai suscitar no meio do povo um profeta, a quem o povo deverá escutar. E Javeh faz logo duas advertências muito graves e sérias: 1. para o povo - "eu mesmo pedirei contas de quem não escutar as minhas palavras que ele pronunciar em meu nome"; 2. para o próprio profeta: "se ele tiver a ousadia de dizer em meu nome alguma coisa que eu não mandei ou se falar em nome de outros deuses, morrerá". (Dt 18,19)

Vemos, assim, como a missão do profeta é importante e perigosa. Importante, porque ele fala em nome da maior autoridade que pode existir; perigosa porque quando Javeh mandar, ele irá falar seja onde for, pra quem for, o que for e isso pode levá-lo a alguma situação de risco, como de fato já levou; e perigosa tb porque se ele falar algo que Javeh não mandou, o próprio Javeh irá tomar satisfação com ele.

Meus amigos, assim foram os profetas de outrora, os do Antigo Testamento. Mas agora a leitura do evangelho de Marcos (1, 21) relata que Jesus falava na sinagoga e o povo o considerava um profeta, mas achava que era um profeta diferente, que falava como quem tem autoridade. Ora, eles não sabiam ainda, mas a diferença estava exatamente no fato de Jesus não falava em nome de Javeh, mas falava em nome próprio, porque Ele era um com o Pai. Daí porque, mesmo sendo considerado um profeta perante um povo acostumado a ouvir profetas, a voz de Jesus soava de um modo diferente dos outros profetas, de um modo novo, inaugurado por Ele. E quando Jesus mandou que os apóstolos saíssem pelo mundo evangelizando, então os transformou nos profetas dos novos tempos. Os apóstolos já não falavam em nome do Javeh do Antigo Testamento, mas em nome da Trindade, posto que, sobre eles, pela imposição das mãos de Jesus, estava depositada a autoridade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Quando nós fomos batizados em Jesus Cristo, nós recebemos dele esta mesma missão profética de ser sinal para os irmãos, de ser luz do mundo e sal da terra, está escrito tb no evangelho. Para os apóstolos e para os seus sucessores até hoje (bispos e presbíteros), a vocação profética é de liderança, de condução, de chefia. Mas para todos os batizados, a vocação profética é do testemunho, do exemplo, da vivência. Na carta aos Hebreus, está dito que Deus se manifestou, antigamente, de muitos modos, mas nos tempos atuais, Ele se manifestou de modo especial através de Jesus, seu Filho. Portanto, depois de Jesus, por força do seu evangelho, não será mais necessário que Javeh suscite um profeta dentro do povo, porque todo o povo agora é profeta, cada cristão manifesta, na sua vida, o testemunho da mensagem cristã para aqueles que não creem. Mas não podemos esquecer daquelas duas advertências de Javeh para os seus profetas, de ontem e de hoje: 1. falar sempre e nunca se omitir; 2. falar em nome dEle somente aquilo que Ele ensinou, não substituindo o seu ensinamento pelas suas próprias ideias, porque o que fizer assim sofrerá dano (será condenado).

Vejamos o que ensinou o Beato João Paulo II, na exortação apostólica Christifideles Laici, que tem como tema a vocação e a missão dos leigos no mundo e na Igreja (1988): "Por isso, a Igreja pede aos fiéis leigos que estejam presentes, em nome da coragem e da criatividade intelectual, nos lugares privilegiados da cultura, como são o mundo da escola e da universidade, os ambientes da investigação científica e técnica, os lugares da criação artística e da reflexão humanística. Tal presença tem como finalidade não só o reconhecimento e a eventual purificação dos elementos da cultura  existente, criticamente avaliados, mas também a sua elevação, graças ao contributo das originais riquezas do Evangelho e da fé cristã." O Papa falou aí em nome de Jesus para os seus profetas dos tempos atuais, ou seja, para nós. Na nossa vida pessoal e profissional, onde quer que estejamos, o batismo exige de nós a realização dessa vocação profética com a nossa prática, com o nosso exemplo, com o nosso testemunho.

Quero agora fazer um ligeiro comentário crítico ao que considero uma visão distorcida de Paulo, na epístola aos Coríntios, quando ele faz a comparação entre os casados e solteiros. É importante lembrar que este texto de Paulo é um dos argumentos da Hierarquia eclesiástica para obrigar o celibato aos que almejam ao sacerdócio. Parece-me que Paulo se contradiz quando afirma (1 Cor 7, 32): o homem não casado é solícito pelas coisas do Senhor; o homem casado preocupa-se com as coisas do mundo... Com todo respeito, eu penso que Paulo extrapolou o ensinamento de Jesus, que não fez distinção quanto a isso. Ora, eu entendo que a missão dada aos cristãos não pode se distinguir em razão do estado de vida escolhido. Será que o homem não casado só se preocupa com as coisas do Senhor, ou seja, não se preocupa tb com as coisas do mundo? e será que o homem casado só se preocupa com as coisas do mundo e não se preocupa com as coisas do Senhor? Com todo respeito, repito, mas me parece que Paulo foi preconceituoso, envolvido pelo mesmo preconceito que faz com que, ainda hoje em dia, exista o estigma de afastar a presença feminina dos lugares de destaque na Igreja, sobretudo ao sacerdócio. Argumenta-se que Jesus não quis, porque se quisesse, teria colocado mulheres no grupo. Bem, existe hoje uma corrente representativa de estudiosos que consideram que Maria Madalena tinha sim a chefia de uma comunidade, nos primeiros tempos do cristianismo, mas sua liderança foi aos poucos sendo escamoteada em razão de divergências doutrinárias com Pedro e Paulo e por causa de ciúmes mesmo que os apóstolos tinham da amizade que Jesus mantinha com ela. Foi daí que aquele espertalhão Dan Brown criou a fantasia de que Jesus tinha um 'caso' com Madalena e isso até se transformou num filme. Não se trata disso, mas acredita-se que Jesus tinha conversas reservadas com Madalena e devia falar para ela certas coisas que não dizia para os demais. Todos nós sabemos que as mulheres têm uma percepção das coisas que é diferente dos homens. Pois bem, não quero entrar nessa polêmica, pois este assunto é muito melindroso. Quero apenas destacar o aspecto do preconceito que, na carta aos Coríntios, ao meu ver, aparece bem claramente, em relação aos casados, como se somente os solteiros estivessem disponíveis para as coisas do Senhor. Ainda que, na época de Paulo, isso fosse coerente com a realidade, acho que nos dias atuais, tal não mais ocorre. Mas, como disse, é apenas um breve comentário sobre esse 'ato falho' de Paulo.
Meus amigos, reflitamos sobre a maneira como cada um de nós está pondo em prática a sua vocação profética no mundo de hoje e que o Mestre nos ensine e estimule cotidianamente a fidelidade à nossa missão de cristãos na sociedade.

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