domingo, 12 de fevereiro de 2012

3º DOMINGO COMUM – 22.01.2012 – O TEMPO DA CONVERSÃO



Caros Confrades,

A liturgia deste 3º domingo comum nos convida a refletir sobre o tempo. Antes, porém, de abordar diretamente as leituras bíblicas de hoje, farei duas breves referências. Primeiro, quando falo sobre tempo, sempre me recordo de Frei Timóteo, que gostava de repetir: tempus salus mortalium ( o tempo é a salvação dos mortais), uma alusão às diversas possibilidades que a vida nos oferece para fazer as múltiplas coisas de que precisamos, porque não podemos fazer tudo ao mesmo tempo. Segundo, filosoficamente falando, eu considero que Kant foi quem melhor conceituou o tempo. Disse ele que o tempo não existe objetivamente, mas é uma criação da nossa subjetividade. Nas palavras dele, o tempo é uma intuição pura da sensibilidade. Isso se mostra da seguinte forma: quando estamos fazendo uma coisa agradável, parece que o tempo passa bem depressa; quando algo está nos preocupando e queremos ver logo o resultado, parece que o tempo passa bem devagar. Ou seja, Kant tem toda razão.

Passando ao comentário dos textos, na primeira leitura, temos a história de Jonas, que é muito conhecida. O profeta foi enviado por Deus para Nínive, mas tomou outro caminho. Foi então que o barco foi atingido por grande tempestade e ele foi arremessado ao mar, quando um grande peixe o engoliu e depois o vomitou perto da praia. Então, ele resolveu fazer o que Deus mandara e foi pregar ao povo de Nínive: Dentro de 40 dias, a esta cidade será destruída, se não vos converterdes. O povo se converteu e Deus suspendeu o castigo que iria mandar. Notem aqui aparecendo de novo a simbologia do numero 40, que já comentamos em outra oportunidade.

Nínive era a capital da Assíria, uma megalópole daquele tempo, talvez maior do que é Fortaleza nos dias de hoje, porque o texto afirma que eram necessários três dias para atravessar a cidade. Era um local de muitas perversidades, como toda grande cidade. O profeta Naum a chamara de cidade sanguinária, cheia de mentiras e de roubo (Na 3,1), por isso Javeh iria transformá-la num deserto. Mas com a pregação do profeta Jonas, o rei e os cidadãos se converteram e fizeram penitência, assim o castigo foi evitado.

Na segunda leitura, Paulo exorta os fiéis de Corinto para viverem o seu tempo, mas com os olhos na eternidade (1Cor 7,29): “os que têm mulher vivam como se não tivessem mulher; os que usam do mundo, como se dele não estivessem gozando. Pois a figura deste mundo passa.” Corinto foi uma comunidade fundada por Paulo e os coríntios entenderam a sua pregação como se a volta de Cristo fosse acontecer logo naqueles dias. Alguns não queriam mais nem trabalhar, deixaram tudo de lado só esperando a nova vinda de Cristo. Então, Paulo os adverte: não é bem assim, não se sabe o dia nem a hora, por isso, cada um deve viver no mundo e usar o mundo, mas sem se apegar a ele, porque isso passa e o tempo é breve. A tradução da CNBB diz 'o tempo está abreviado', mas não me parece muito fiel assim. Paulo diz, no texto latino, 'tempus breve est', literalmente, o tempo é breve, isto é, passa muito rápido, com isso todos nós concordamos. Então, é preciso viver com os pés no chão, mas com os olhos no futuro, isso significa uma metanóia, ou seja, literalmente meta=além e nóia=pensamento, portanto, pensar além, ter uma mudança de mentalidade, em outras palavras, uma conversão.

No evangelho de Marcos (1, 14-20) observamos uma ligeira incoerência com o evangelho de João, lido no domingo passado, acerca do chamado de Pedro. No texto de Marcos, Jesus estava passando pela praia e viu Simão e André, seu irmão, e os chamou. No texto de João (1, 42), André era discípulo de João Batista e viu quando este falou sobre Cristo: eis o Cordeiro de Deus, então passou a segui-lo e apresentou a Ele seu irmão Simão. Como isso se explica? Primeiro, temos que considerar que o evangelho de Marcos é bem mais antigo, foi escrito cerca de 40 anos antes do evangelho de João. Segundo, importa lembrar que o evangelho de Marcos é uma compilação de textos que ele conhecia e estes textos foram escritos em comunidades diferentes, ou seja, foram cópias de tradições orais, histórias que passavam de boca em boca, não eram como se fossem atas de reuniões ou relatórios, eram 'contos populares' orais. Em terceiro lugar, precisamos ver que na época de João, por volta do ano 100, muitas dessas divergências já haviam sido observadas e corrigidas, de modo que o texto de João é mais elaborado, mais pesquisado, mais coerente. Portanto, não devemos considerar como se o texto de Marcos esteja errado, mas apenas que se trata de uma incoerência textual que foi posteriormente corrigida. O que verdadeiramente importa não é se foi na beira do lago da Galiléia, como disse Marcos, ou num lugar qualquer, como disse João, mas o que interessa é que eles foram chamados e atenderam ao chamado, eles aceitaram a proposta de Cristo para mudarem de vida. Em vez de ser pescadores de peixes, passariam a ser pescadores de pessoas. Para isso, eles tiveram de mudar de vida, mudar o modo de pensar, fazer uma metanóia, ou seja, uma conversão.

Muitas vezes, nós utilizamos a palavra 'conversão' apenas no sentido de alguém deixar uma vida de pecado e passar a viver cristãmente. Isso também é conversão, claro, mas não apenas isso. Todas as vezes que nós procuramos compreender melhor o que Deus espera de nós, todas as vezes que nós refletimos sobre o chamado que recebemos e buscamos dar uma resposta sempre melhorada, está ocorrendo em nós uma conversão. Como os confrades puderam observar, a origem desta palavra está no vocábulo grego metanóia, que significa levar o nosso pensamento para uma dimensão além daquela que estamos acostumados a fazer, significa procurar ver a mensagem de Deus através dos acontecimentos da nossa vida e mudar nossas atitudes, significa uma busca contínua por ser um ser humano melhor, mais humanizado, mais sensível aos chamados e às necessidades dos irmãos. Nessas ocasiões e em diversas outras mais, estaremos exercitando uma mudança de mentalidade, uma nova forma de pensar, estaremos levando o nosso pensamento para além da sua fronteira atual, ou seja, estamos realizando uma metanóia (conversão).

Por isso, eu comecei este comentário com aquele bordão de Frei Timóteo: o tempo é a salvação dos mortais, porque nós precisamos estar sempre reavaliando nosso modo de ser e, para isso, Deus está sempre se manifestando a nós de diversos modos. Muitas vezes, nós não percebemos bem isso e deixamos passar aquela oportunidade. Então, acontece um outro fato a nos chamar a atenção e nos é dada nova chance. Isso não seria possível sem a dimensão temporal, sem a sucessão dos fatos, sem a sequência dos acontecimentos. Por isso, a frase de Frei Timóteo, dita de outro modo, significa que sempre é tempo de conversão, sabendo aproveitar as diversas oportunidades que Deus nos dá através do tempo, alcançaremos a salvação.

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