quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

33º DOMINGO COMUM – NOSSOS TALENTOS - 13.11.2011



Caros Confrades,

A liturgia deste domingo (33º comum) nos convida a refletir sobre os nossos talentos. Importa, de início, esclarecer que 'talento', na época de JC, era um conceito financeiro, um padrão monetário que correspondia a aproximadamente 35 kg de ouro. Se avaliarmos no mundo atual, corresponderia a uma elevada soma, pois um grama de ouro custa em torno de $50 reais, desse modo, um talento valeria na nossa moeda cerca de $175.000 reais. Portanto, JC vai se aproveitar de um linguajar da economia para relacionar com o anúncio do reino de Deus.

Na primeira leitura, temos a referência à mulher forte (Provérbios 31,10), que trabalha habilmente com o fuso e com os tecidos, que administra a casa e não deixa faltar nada, mas ao mesmo tempo, também atende o pobre e o necessitado. Bela, trabalhadora e caridosa. É a sabedoria antiga elogiando as qualidades da mulher virtuosa, num contexto simbólico da autêntica economia (em grego, oikos-lar e nomos-regra formam o verbo oikonomeô=administrar a casa, comandar a casa). É o que corresponde à designação dos dias atuais da profissão 'do lar' daquela mulher que exerce sua atividade laborativa dentro de casa, administrando o lar, uma profissão em declínio, mas ainda muito comum no nosso sertão. Por outras palavras, o conceito de mulher forte não está ligado à força muscular, mas à competência com que ela gerencia as tarefas domésticas, sob a plena confiança do seu marido. Sob um certo aspecto, ela está pondo pra render os talentos ($$$) da casa, enquanto o marido exerce uma atividade externa para o sustento da família. Com suas mãos hábeis e sua capacidade produtiva, ela multiplica as reservas financeiras adquiridas pelo marido. Podemos dizer, portanto, que a figura da mulher forte tem total relação com a parábola dos talentos, narrada no evangelho de Mateus (25,14). Curiosamente, essas imagens da mulher exemplar, presentes em outras passagens do AT (por ex: Sarah, Débora, Judite, Ester) não foi igualmente reverenciada no NT. Afora a figura ímpar de Maria, as demais citadas sempre exerceram papéis de coadjuvantes (Madalena, Marta e sua irmã Maria). Podemos observar nesse fato um incremento do machismo na comunidade judaica no tempo de JC, ao ponto de não se abrirem espaços para a 'mulher forte' do AT.

No evangelho, temos a conhecida parábola dos talentos. O patrão, antes de viajar, distribuiu com seus empregados certa quantidade de talentos, de acordo com a competência de cada um. Os dois, que ganharam mais, também conseguiram tirar maior proveito do que receberam, enquanto o que recebeu um só o enterrou e apenas o devolveu, fato que desagradou bastante o chefe.
Não poucas vezes, JC faz uso de exemplos ligados ao mundo econômico-financeiro para tirar conclusões relacionadas com a sua doutrina, por ex: os trabalhadores da vinha, o administrador infiel, a moeda de Cesar... mas nesta parábola foi introduzido um conceito novo, até contraditório em relação ao que o cristianismo sempre ensinou: a usura. O que recebeu cinco talentos 'lucrou' outros cinco; o que recebeu três 'lucrou' outros três; ao que devolveu o único talento recebido, o chefe diz: por que não entregaste a um banco, para que eu recebesse os juros? Aos meus ouvidos, soa de uma forma estridente esse linguajar. Com certeza, JC estava fazendo uso de conceitos mais fáceis de serem entendidos pelo povo, pois não se pode concluir que ele estivesse aprovando o depósito de capital a juros bancários.

Pois bem, abstraindo dessa conotação monetarista, temos na parábola dos talentos o estímulo e o reconhecimento daqueles que trabalham e administram com competência os bens recebidos, semelhante à imagem da mulher forte, do livro dos Provérbios. Não quero me referir ao conceito de 'talentos' no sentido intelectual, como muitas vezes nos ensinaram no seminário. Penso que JC estava se referindo mesmo aos bens materiais, que algumas pessoas têm mais do que outras. Todos se lembram que, em outra passagem, quando Judas comentou: por que não vendemos esse perfume e distribuímos o dinheiro com os pobres? JC discordou e disse que 'pobres sempre tereis entre vós' (João 12,8). Entendo que JC admitiu ali que a distribuição dos bens materiais nunca seria feita de modo isonômico.

Pois bem, os talentos ou os recursos materiais, com os quais Deus nos favorece, devem nos ajudar a trilhar com mais serenidade e firmeza o caminho da virtude, não para nos afastar dele. Podemos associar com isso o conceito de 'pobres de espírito' exposto no sermão da montanha, no domingo passado. Atualmente, há um conceito sociológico bem apropriado para essa situação, que é o de responsabilidade social. Ter uma boa condição de vida, materialmente falando, deve nos dar a consciência do dever de contribuir com aqueles que, por diversas conjunturas, não obtiveram tanto quanto nós. Numa forma bem radical, foi o que fez Francisco em relação aos bens de seu pai Pedro Bernardoni. Se nós não temos essa mesma virtude, pelo menos devemos ter a disponibilidade para servir, a oferta financeira para as ações sociais da Paróquia e de entidades que atuam em trabalhos assistencialistas, o apoio aos menos aquinhoados da nossa própria família, a ajuda aos irmãos através das obras de caridade. Não podemos deixar que a ganância e a avidez do lucro nos tornem escravos dos nossos bens materiais, porque assim os estamos enterrando.

E aqui entra a exortação do apóstolo Paulo, na segunda leitura (1 Tessalonisences 5,1): não deixeis que o dia do Senhor vos surpreenda como um ladrão, de noite. Vós sois filhos da luz e do dia, não somos filhos da noite nem das trevas. Quando nos tornamos escravos dos nossos bens, estamos enterrando nossos talentos, então já não somos mais filhos do dia.

Esses fatos nos fazem lembrar de outra advertência de JC noutra passagem, quando o jovem rico não quis se desfazer dos seus bens, e Ele comentou: é mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha... Ele sabia o quanto os bens materiais podem servir de empecilho à prática das virtudes cristãs. Mas nós, que tivemos acesso a uma formação humana e intelectual diferenciada, mercê de nossa passagem pelo seminário, formação esta que, aliada ao esforço de cada um, nos fez alcançar condições dignas de vida na sociedade, devemos também ter aprendido a administrar esses talentos, sem jamais os enterrar, mas sempre os colocando à disposição dos irmãos. Vale outra vez recordar a exortação de Paulo aos Tessalonicenses: Portanto, não durmamos, como os outros,mas sejamos vigilantes e sóbrios, para que o dia do Senhor não nos surpreenda.

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