quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

4º DOMINGO DO ADVENTO – O 'SIM' DA REDENÇÃO - 18.11.2011



Caros Confrades,

A liturgia deste 4º domingo do advento celebra o 'sim' de Maria à mensagem do anjo Gabriel, tornando possível assim a nossa redenção. No ano litúrgico B, dedicado ao evangelho de Marcos, temos mais uma inserção de um trecho de Lucas, já que Marcos não aborda os temas específicos relacionados a Maria.

Na primeira leitura, do segundo livro de Samuel (2Sam 7,1), temos uma promessa escatológica de Javeh a Davi: "suscitarei, depois de ti, um filho teu, e confirmarei a sua realeza. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho. Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim, e teu trono será firme para  sempre." Num primeiro momento, esta palavra de Javeh transmitida através do profeta Natan, se realizou na pessoa de Salomão, descendente de Davi, mas no contexto transistórico, trata-se de uma referência a Jesus Cristo, tb descendente de Davi, cujo reino será firme para sempre.

Interessante é observar tb que Davi estava preocupado em construir um templo para a Arca da Aliança, que estava abrigada numa humilde tenda de pano, enquanto ele (Davi) habitava um luxuoso palácio. Mas Javeh fez ver a Davi, através do profeta Natan, que naquele momento, o 'templo' que ele deveria construir não era de cedro nem de mármore, mas o templo-comunidade do povo, que vivia então um período de tranquilidade, depois da derrota dos inimigos. Javeh faz ver a Davi que, mais do que um templo de pedra, era necessário construir o templo de carne, ou seja, consolidar a fé do povo através de uma administração dedicada à união e à estabilidade social e ao cumprimento dos mandamentos. O templo-casa não é prioridade, pois Javeh quer habitar primeiro nos templos-corações dos seus fiéis. Sabemos, através dos relatos históricos, que Davi realmente se dedicou a isso durante todo o seu reinado e o seu filho Salomão foi o construtor do famoso templo de Jerusalém, o qual foi posteriormente destruído pelos exércitos romanos.

Na interpretação escatológica, futurística da promessa de Javeh a Davi, temos a anunciação do anjo Gabriel a Maria, uma jovem noiva de José, que era descendente de Davi, diz o evangelista Lucas (Lc 1,26). Pelo relato de Lucas, Maria ainda não estava casada com José, ou seja, ainda não coabitavam. Podemos imaginar o embaraço da jovem noiva quando soube que estava grávida antes do casamento, sem ter feito nada para isso. Daí o seu espanto, quando perguntou ao anjo: como pode ser isso, se não conheço homem algum? O nosso colega Bosco fez uma crônica recentemente, na qual referiu-se a essa situação incômoda de Maria, prestes a se casar. Foi quando o anjo disse que o Espírito Santo a cobriria com sua sombra, e então Maria deu o 'sim' mais célebre e fecundo de toda a história humana: faça-se em mim segundo a tua vontade.

Merece um destaque a análise textual deste verbo 'conheço' na frase 'não conheço homem algum'. Lemos no texto grego do evangelho de Lucas que o verbo original é gignósco. São Jerônimo, ao traduzir do grego para o latim o verbo gignósco escreveu cognosco. O verbo cognosco, em latim, está relacionado com o saber, a atividade intelectual. Mas o verbo gignósco em grego é bem mais profundo do que isso, tem o sentido de procurar aprender, buscar saber as coisas e tem tb o sentido de ter intimidades. Por razões culturais óbvias, a tradução jeronimiana se ateve ao aspecto intelectual da palavra, não ao seu sentido prático, conforme o contexto da conversa de Gabriel com Maria estava a sugerir. E quando fizeram a tradução da palavra para o português, manteve-se o mesmo viés intelectualizado do termo. Mas nem precisa explicar que a semântica própria do termo no contexto do diálogo tem o sentido de copular. A teologia mariana embasa-se nessa passagem para fundamentar a virgindade de Maria, um tema sempre muito caro na literatura teológica, tanto que ela é sempre tratada como a Virgem Maria.

Nesse contexto do evangelho de Lucas vemos então dois testemunhos fortes da intervenção divina na história: a virgindade fecunda de Maria e a senilidade também fecunda de Isabel, sua prima. Porque para Deus nada é impossível, arremata o anjo Gabriel. Com efeito, Isabel já tinha passado da idade geratriz e não tivera filhos. Fato semelhante já havia acontecido no antigo testamento com Sarah, esposa de Abraão. Naquela situação histórica do povo hebreu, em que todas as mulheres eram estimuladas a terem muitos filhos, porque um deles poderia ser o Messias prometido, a maior decepção ou frustração da mulher era não gerar filhos. As não geratrizes, as estéreis se consideravam castigadas por Javeh, que não lhes havia dado aquela oportunidade de gerar o Messias. Então, na concepção de Jesus Cristo, podemos constatar duas intervenções miraculosas de Javeh, em momentos bem próximos: Isabel, que era considerada estéril, estava no sexto mês de gestação e Maria, que nunca copulara, estava grávida permanecendo virgem.

Num outro trecho do evangelho, lemos o embaraço tb de José, ao saber da gravidez da noiva, antes de coabitar com ela. Pela lei de Moisés, ele (José) deveria denunciá-la aos sacerdotes por prática sexual ilícita e o resultado disso todos nós conhecemos: apedrejamento até a morte. Então, José tinha decidido 'deixá-la secretamente', ou seja, ele iria fugir para não denunciar Maria, pois estava totalmente confuso. Ao mesmo tempo em que confiava em Maria, não conseguia entender aquela gravidez. Foi quando o anjo anunciou-lhe em sonho que o filho de Maria era obra do Espírito Santo. Assim, a situação se esclareceu e José criou e cuidou do Filho como verdadeiro pai.

O 'sim' de Maria, portanto, foi totalmente preparado e administrado pelo Pai, no entanto, isso só foi possível porque ela aceitou, mesmo sem entender. Atendendo à exortação do anjo "não temas, Maria", ela, mesmo antevendo todo o conjunto de consequencias que dali adviriam, não hesitou, não pediu tempo pra pensar, não deixou pra depois. Foi um ato de fé perfeito e total, semelhante ao de Abraão, quando Javeh mandou que ele sacrificasse Isaac, seu único filho, e ele, mesmo sem entender, aprontou-se para cumprir fielmente a determinação.

Meus amigos, o 'sim' de Maria é pleno e perfeito, do tamanho da sua fé. Quando o anjo a saudou 'ave, cheia de graça' (gratia plena), ele já sabia tb que Maria não recusaria. A palavra 'cheia' em português não tem o mesmo sentido profundo e completo do que a palavra latina 'plena'. Cheia pode ser algo não tão intenso, tanto que, quando queremos enfatizar, dizemos que algo está 'cheio até a tampa'. Plena é já em si uma coisa cheia onde não cabe mais nada, porque já está totalmente lotada, impregnada (in-pregnada). Vejamos como esta palavra tb tem relação etimológica com prenhez (pregnantia, em latim). Fica até um sentido duplo, quando o anjo diz: (em latim) Ave, gratia plena. Plena aí tem tanto o sentido de completa, sem lacuna, quanto ainda o sentido de prenhez. O útero prenhe está completo e perfeito em si mesmo, não admite a presença de outro componente, porque já não há mais espaço disponível. A palavra 'cheia', em português, não tem um sentido tão amplo e profundo quando a palavra latina 'plena', mas assim podemos ver melhor as suas possibilidades interpretativas.

Que a Virgem Maria nos ensine a ter uma fé plena e sem restrições, tal como foi a atitude positiva dela diante do anjo.

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