Caros Confrades
Neste 34º domingo comum, último domingo do ano litúrgico, a liturgia nos apresenta o discurso escatológico de JC e no-Lo apresenta como rei do universo (Cristo Rei).
Neste 34º domingo comum, último domingo do ano litúrgico, a liturgia nos apresenta o discurso escatológico de JC e no-Lo apresenta como rei do universo (Cristo Rei).
Trata-se de uma curiosa designação, neste tempo em que já não há mais reis e rainhas como nos tempos bíblicos, mas somente reis e rainhas de última grandeza: rei da juventude, rei da música, rei do carnaval... o conceito de realeza está totalmente desfigurado. Prevalece aquela idéia romântica do rei vestido com um longo manto, um cetro na mão e uma coroa na cabeça, é assim que a arte sacra traça a figura de Cristo Rei. Não me parece que tenha sido este o conceito que JC quis expressar quando falou aos discípulos que estaria 'sentado no seu trono glorioso'. Mas foi a figura clássica do rei medieval que ficou retratada na visualização de Cristo Rei do Universo.
Mas a msg mais importante do evangelho deste domingo não é exatamente esta. Foi apenas um comentário paralelo que fiz. A sua leitura traz uma descrição bastante pormenorizada feita por JC acerca das 'coisas que haverão de vir', o que os teólogos classificam como realidades escatológicas. O fim do mundo, o fim de cada um de nós, o julgamento supremo, a recompensa, o castigo, são os temas centrais da escatologia teológica.
Esta imagem do Cristo que voltaria glorioso ficou tão forte nas primeiras comunidades cristãs que alguns fiéis nem queriam mais trabalhar nem assumir nenhuma responsabilidade, porque Ele chegaria a qualquer momento, como se fosse em breves dias. São Paulo teve de pegar pesado com esses cristãos imediatistas. Esse tema, aliás, foi por demais explorado ao longo do tempo pelos comentaristas bíblicos, muitas vezes confundindo a dimensão temporal com a dimensão da eternidade, gerando interpretações insustentáveis acerca do 'tempo' que alguém demoraria no purgatório (por exemplo) até conseguir se purificar de todas as culpas: um ano, cinco anos, dez, cem anos?? já tive oportunidade de expor minha idéia acerca disso em uma msg anterior, quando tratei da antropologização do tempo divino. A Igreja oficializou tal idéia criando o conceito das indulgências parciais e plenárias. Lembro que, naquele tempo, havia um dia do ano em que passávamos o dia inteiro entrando e saindo da capela, porque São Francisco tinha recebido uma visão e pediu a Deus que todos os que entrassem naquele templo e rezassem pelos defuntos, salvariam uma alma. Então, a gente entrava, rezava e saía; entrava de novo, rezava e saía... assim o dia todo, porque a cada vez estaríamos salvando uma alma. Como se a nossa contabilidade terrena, temporal tivesse alguma validade nos páramos da eternidade.
JC é bastante didático no seu discurso escatológico e podemos ver que não tem nada com o que escrevi acima. Na verdade, ele descreve a 'receita', se é que podemos assim dizer, que deve cumprir quem quer ser digno de ser chamado seguidor dele: os benditos (ou bem aventurados, como fala no sermão da montanha). E a receita é esta: "Vinde benditos de meu Pai! Recebei como herança o Reino que meu Pai vos preparou desde a criação do mundo! Pois eu estava com fome e me destes de comer; eu estava com sede e me destes de beber; eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar'." E os malditos perguntaram: Senhor, quando foi que te vimos assim e não te socorremos? Resposta: todas as vezes que deixastes de fazer isso ao irmão mais pequenino.
Meus amigos, JC está fazendo um pré-julgamento, ou melhor, ele está dizendo claramente sob que critérios nós seremos julgados. Ele não disse: aquele que assistir mais missas, nem aquele que comungar mais vezes, nem aquele que rezar mais pai-nossos de joelhos... Por favor, não me entendam mal, não estou dizendo que isso não vale nada. Estou apenas tentando esclarecer o que JC colocou como paradigma para o julgamento dos cristãos: a caridade, a partilha, a paciência, o serviço, a doação, o amor principalmente para aqueles mais humildes e carentes. É muito fácil 'ver' JC na hóstia consagrada, na figura do Papa, nas imagens religiosas; mas Ele quer que nós o 'vejamos' no irmão e façamos para este irmão o que nós faríamos se o próprio JC estivesse na nossa frente.
Outra coisa. Este 'julgamento' não vai acontecer num determinado dia, num determinado ano, como alguns 'profetas' de antes e de hoje tentam nos fazer crer. Quantas vezes já foram previstas datas para o 'fim do mundo' e nada aconteceu? O ressoar da trombeta vindo do mais alto dos céus não será um fenômeno cósmico e universal, mas uma realidade particular para cada ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. A colocação das ovelhas à sua direita e dos cabritos à sua esquerda, simbolizando os benditos e os malditos respectivamente, a recompensa e o castigo eternos, não é algo que irá ocorrer num dia determinado de um ano determinado para todos os homens ao mesmo tempo, mas é um enfrentamento que cada um de nós deverá fazer, quando passarmos pelo portal que dá acesso à eternidade. Lá, as fileiras já estão formadas e quem for chegando já vai sendo direcionado para a sua devida posição.
Alguém pode perguntar: por que, então, JC usa uma linguagem tão direta, tão concreta para explicar isso? ao meu ver, a resposta é simples: porque ele se dirigia a pessoas de poucos conhecimentos, pessoas simples, numa linguagem de fácil compreensão. Tanto assim que, nos primeiros tempos, isso era interpretado de forma absolutamente literal e os primeiros cristãos pensavam que esse dia seria amanhã, depois de amanhã talvez... com o passar dos anos, a reflexão teológica foi aprendendo a compreender esta lição de um modo mais erudito e menos temporalizado, quanto dá a entender a metáfora à primeira vista.
Neste último domingo do período litúrgico, a leitura do evangelho nos ensina duas lições, que eu considero fundamentais: primeira lição, que nós devemos sempre enxergar JC no irmão, no próximo, no semelhante, quanto mais isso possa nos parecer impossível. Enxergando JC no irmão e fazendo por ele o que faríamos por JC em pessoa estará nos habilitando como cristãos autênticos; segunda lição, que o nosso 'cartaz' diante de JC vai depender da nossa capacidade de percebê-LO nos irmãos e agir gratuitamente, sem almejar recompensa, conforme o próprio JC já nos ensinou noutro discurso, a saber: não saiba a tua mão direita o que faz a tua esquerda, nos lembrando que devemos agir por amor e não em espera de alguma recompensa.
Que o Mestre nos ensine a ser verdadeiras 'ovelhas' e nos favoreça com a mágica de poder transformar cabritos em ovelhas, com o nosso exemplo de um agir verdadeiramente cristão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário