domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 12º DOMINGO COMUM - 23.06.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O CRISTO DE DEUS – 23.06.2019



Neste 12º domingo do tempo comum, as leituras litúrgicas destacam a relação entre a cruz e o batismo, através da ação salvífica do Cristo de Deus, como assim Jesus foi definido por Pedro, pela inspiração do Espírito. Falando em particular com os doze apóstolos, depois da confissão de Pedro, Jesus revela-lhes detalhes acerca da sua futura paixão, preparando o espírito deles, para que não percam a fé, quando essas coisas terríveis vierem a acontecer e proibindo-os de falar a respeito de sua verdadeira identidade. Esse testemunho deveria ficar reservado para depois da ressurreição.

A primeira leitura traz um texto do profeta Zacarias, no qual há uma alusão bem explícita e direta à figura do Messias, que será torturado e morto, mas depois, esses mesmos que o matarem, irão chorar sobre o seu cadáver (Zc 12, 10): “hão de chorá-lo, como se chora a perda de um filho único,
e hão de sentir por ele a dor que se sente pela morte de um primogênito”. Este texto é reproduzido na liturgia da Semana Santa, onde se lê que “contemplarão aquele a quem traspassaram”. Trata-se de um prenúncio, com grande antecipação temporal, uma longínqua antecipação do sacrifício de cruz, considerando que a datação deste escrito é do século IV antes de Cristo.

No versículo seguinte (Zc 12, 11), o Profeta faz referência a um dia tão calamitoso quanto aquele em que o Messias irá ser imolado, recordando que “haverá um grande pranto em Jerusalém, como foi o de Adadremon, no campo de Magedo.” O fato referido pelo Profeta é a morte do rei Josias, que pereceu em circunstâncias que poderiam ter sido evitadas, ocasionando grande comoção junto do povo. Com efeito, depois de experimentar vários reis injustos e idólatras, o povo de Israel tinha um rei bom e devotado à sua gente: Josias. Ele foi tentar impedir o trânsito do exército egípcio pelo território de Israel, numa ocasião em que o Faraó travava uma guerra com os babilônios. Sem uma real necessidade, posto que os egípcios não perseguiam os judeus, o rei Josias tentou impedir a passagem do exército do Faraó e terminou morrendo numa batalha desnecessária. Este mártir inocente era a prefiguração do futuro Messias, que também seria inocentemente imolado. Esta primeira leitura, portanto, traz uma alusão direta ao sofrimento pelo qual o Messias teria de passar e também à reação de arrependimento que ocorreria entre aqueles mesmos que lhe causaram os sofrimentos. A começar por Judas e pelos soldados responsáveis pela crucifixão.

Na segunda leitura, continuando a carta de Paulo aos Gálatas (3, 26-29), lemos o ensinamento do apóstolo acerca da consequência mais importante que o batismo nos traz, que é o fato de sermos inseridos em Cristo e, com isso, nos tornamos herdeiros de toda a promessa que Javeh fez aos Patriarcas, desde os tempos antigos. “Vós todos que fostes batizados em Cristo vos revestistes de Cristo. … Sendo de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.” Pelo batismo, nós nos tornamos um em Cristo e isso nos unifica também entre nós, de modo que já não há mais distinção de raça, cor, sexo, origem, classe social, a adesão a Cristo nos torna membros de um só corpo e nos faz todos irmãos. Pelos sofrimentos na cruz, Cristo abriu para nós o acesso à casa do Pai. Pelo batismo, nos revestimos de Cristo e nos tornamos merecedores de sua graça. Observem que o batismo não apenas nos une a Cristo, mas nos reveste dEle, é muito mais profundo. O Papa Francisco, no seu sermão semanal na Casa de Santa Marta, onde ele reside, fez questão de destacar essa importante lição teológica: a porta da Igreja é o batismo, não a ordenação sacerdotal ou episcopal. Trata-se de um puxão de orelhas no clericalismo reinante na Igreja, desde há muito tempo, reforçando o papel fundamental que possuem os leigos no interior da comunidade eclesial. Lamentavelmente, nossos pastores não pensam nem agem nessa direção.

A leitura do evangelho nos mostra Jesus se revelando em particular para os apóstolos. Em Lc 9, 18-21, temos aquela conhecida passagem em que Pedro faz a definição mais perfeita de Jesus, quando responde à interrogação dele próprio sobre “quem vós achais que eu sou?” Pedro se antecipa aos demais e responde com determinação: Tu és o Cristo de Deus. Antes, Jesus havia perguntado o que o povo falava a respeito dele. Talvez algum dos antigos profetas que ressuscitou, era essa a opinião popular a seu respeito. Então, Jesus proibiu expressamente os apóstolos de ficarem falando para o povo quem ele era realmente, pois essa revelação deveria aguardar os acontecimentos futuros. E passa a dissertar sobre os detalhes do seu sofrimento futuro, usando para si mesmo a expressão “filho do Homem”: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia (Lc 9, 22) Por que Jesus fala sobre si mesmo como o Filho do Homem? Aqui há uma explicação interessante. Jesus se serve de uma expressão que era bem conhecida dos judeus, que em hebraico se diz “ben Adam” e que significa genericamente um ser humano, uma pessoa. Fazendo referência ao primeiro homem bíblico, que foi tirado do limo da terra (adam), Jesus usa essa expressão para representar, ao mesmo tempo, a si próprio e a todos os seres humanos, para os quais o seu sofrimento vai servir de redenção. Nesse momento, Jesus está-se referindo diretamente à sua humanidade, assumindo ser ele também um “ben Adam”, isto é, um filho da terra, assim como todos os seres humanos são. Para ilustrar melhor esse conceito, informo aos leitores que o plural dessa expressão significa, em hebraico, humanidade. Por outras palavras, Jesus está declarando que o seu ser humano vai passar por todas essas agruras. O Filho do Homem irá sofrer perseguição pelos chefes do povo, morrerá e depois ressuscitará.

Foram várias as vezes em que os apóstolos ouviram Jesus dizer isto: sofrer, morrer, ressuscitar, mas provavelmente eles só vieram a entender isso depois que esses fatos aconteceram. Judas foi um que ficou esperando, até o último momento, que Jesus fizesse uma grande demonstração de poder e liquidasse todos os inimigos de Israel. Pedro o negou por três vezes, porque não tinha compreendido o alcance daquelas palavras (sofrer, morrer, ressuscitar). João foi outro que se aproveitou do conhecimento que tinha com pessoas do palácio de Pilatos e conseguiu entrar no pretório para tentar ver o que estava acontecendo com Jesus, pois ele também não tinha entendido o sentido daquelas palavras. Aqueles dois discípulos que iam para Emaús eram outros descrentes, sem entender o que havia acontecido. Eles também não entenderam aquelas palavras. Dos demais, não se sabe, porque as reações não ficaram registradas. O certo é que, só após a ressurreição e as seguidas aparições de Jesus no meio deles, foi que começaram a juntar as ideias e compreender o que Ele havia dito. E tudo foi confirmado, depois, em Pentecostes.

E no final deste discurso, Jesus diz ainda palavras mais incompreensíveis para eles: “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 24). Se eles já não tinham entendido a primeira parte, esse final era ainda mais enigmático. Quem veio trazer a explicação desse enigma foi Paulo, na epístola aos Gálatas, lida no domingo passado (Gl 2, 20): “Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim. Esta minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou.” Quem quer salvar a sua vida, isto é, quem quer viver segundo seus próprios desígnios, sem seguir os ensinamentos de Cristo, vai ao final se perder, se destruir. Mas quem se deixar guiar pelos ensinamentos de Cristo, pode parecer que está perdendo o seu tempo e a sua vida, mas pela fé alcançará a salvação. A vida na carne, a vida material não pode fechar-se sobre si mesma, buscando acumular cada vez mais, possuir cada vez mais, desfrutar cada vez mais, porque quem age assim vai perdê-la. A vida material deve ser vivida na fé e na caridade, crendo no Filho do Homem e seguindo os seus ensinamentos. O cristão não abandona a vida material, a vida na sociedade, não recusa a posse dos bens materiais, mas vive tudo isso, possui tudo isso com espírito de solidariedade, utilizando esses bens a serviço dos irmãos. Isso é possível porque, pelo batismo, nos revestimos de Cristo e assim a nossa vida material se constrói numa vivência de fé, sabendo administrar os bens materiais em vista do bem de todos.

Que a lição de Paulo aos Gálatas possa se transformar no lema da nossa vida cristã.

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