domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA ASCENSÃO - 02.06.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO DO SENHOR – 02.06.2019



Celebramos neste domingo a festa da Ascensão do Senhor. Aqueles homens da galileia, mesmo após todo o curso intensivo de três anos e o posterior reforço de 40 dias de catequese, que Jesus fizera com eles, naquele momento final, ainda estavam a perguntar ao mestre: é agora que vais restaurar o reino de Israel? Parece que não haviam entendido muita coisa dos ensinamentos de Jesus. É curioso observar como ainda hoje vemos alguns cristãos fazendo perguntas semelhantes, porque não conseguem entender o significado mais autêntico da mensagem de Cristo.

Na primeira leitura, retirada dos Atos dos Apóstolos (At 1, 1-11), o escritor sagrado narra a subida de Jesus ao céu, após despedir-se dos apóstolos. Coincidentemente, a leitura do evangelho de hoje é retirada do mesmo escritor dos Atos, o médico São Lucas e, se observarmos com atenção os dois textos, veremos que ele comete uma pequena incoerência acerca dos detalhes que cercam a ascensão de Jesus. Em At 1, 4 e 1, 9, ele escreveu: “Durante uma refeição, deu-lhes esta ordem: 'Não vos afasteis de Jerusalém … Depois de dizer isto, Jesus foi levado ao céu, à vista deles.” Lucas gosta muito de falar nos detalhes das cenas que descreve, mas desta vez ele (parece) se esqueceu do que havia escrito no evangelho, que é anterior (Lc 24, 50-51): “Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu.” Se fossem escritos de diferentes autorias, esta inconsistência da narrativa seria fácil de explicar, mas visto que são textos do mesmo autor, fica difícil ser compreendida. No entanto, isso importa apenas por uma questão de análise textual, pois na verdade, não altera o conteúdo da mensagem: Ele subiu ao céu depois de passar mais um tempo (40 dias) após a sua morte reforçando a catequese com os seus discípulos, para que eles entendessem melhor a doutrina que iriam pregar.

Aliás, os textos dos evangelhos se prestam mesmo a múltiplas interpretações. Nesse texto, os seguidores do espiritismo interpretam essa narração dos Atos para robustecer a sua tese de que, após a morte, o “espírito” não vai logo para a sua morada eterna, mas ainda passa algum tempo (tempos diferentes, de acordo com as necessidades de cada um) numa situação intermediária, em que já não tem mais corpo material, mas ainda não chegou ao nivel espiritual mais elevado. Por isso, algumas pessoas mais sensitivas são capazes de “ver os espíritos” dos mortos, porque eles ainda estão na situação vacante, ainda não fizeram a viagem definitiva até o outro mundo. Teoricamente, isso significaria que a “missão” daquela pessoa ainda não terminou, assim como a missão de Cristo não teria terminado e por isso a necessidade ficar aparecendo e ensinando aos apóstolos. Na minha opinião, trata-se de uma simples acomodação do texto a uma posição doutrinária diversa da oficial, algo que deve ser uma mera coincidência literária. Eu não creio que cada pessoa tenha uma “missão fechada”, que deva ser sempre obrigatoriamente terminada, sob pena de não poder o ser humano desvincular-se completamente do mundo terreno enquanto não a concluir. Essas teorias reencarnacionistas são muito antigas, anteriores até ao cristianismo e, provavelmente, Cristo as conhecesse. Entre os gregos, havia defensores dessa doutrina, como os pitagóricos e os órficos, embora Aristóteles a rejeitasse. Porém, Cristo nunca se referiu a essa possibilidade nos seus ensinamentos e nem existe referência a isso nas cartas de Paulo, que era o mais entendido de cultura grega dentre os escritores sagrados. Penso que a missão de Cristo era única e o seu exemplo não pode servir de modelo para algo que ele nunca ensinou.

Ainda outro fato que está associado à festa da Ascensão diz respeito a um trecho conclusivo do escritor sagrado Lucas, quando ele escreveu (At 1, 11): “Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: 'Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu.” Entra em ação, outra vez, o detalhismo de Lucas, percebam: dois homens vestidos de branco. Ele nem diz que são dois anjos, mas por terem saído das nuvens e estarem trajando branco, a tradição entendeu sempre que são dois anjos. Mas o que eu quero chamar a atenção também é para o outro detalhe: “Ele virá do mesmo modo como o vistes subir.” Por causa deste detalhe, muitos pintores da arte sacra têm mostrado Jesus, com um semblante resplandescente, descendo do céu para julgar a humanidade, no final dos tempos. Contudo, de acordo com as interpretações mais recentes dos biblistas, essa descrição deve ser entendida metaforicamente, não do modo restrito como está escrito. Esta descrição corresponde ao modo como os primeiros cristãos entendiam a mensagem de Jesus, quando Ele disse que retornaria para julgar a todos. Por causa dessa compreensão do fato e por causa dessa descrição de Lucas, muitos cristãos dos primeiros tempos viviam na expectativa de ver Jesus voltando já naquela época. São Paulo até adverte os cristãos de Tessalônica (II Tes 2, 1-12) para que ninguém queira adivinhar o dia em que o Senhor voltará. Isso porque alguns cristãos primitivos, achando que Jesus estava quase para vir, deixaram até seus trabalhos e ficavam o dia todo ociosos só esperando a volta de Jesus. Havia, dentre alguns, esse entendimento de que Ele estava para retornar em breve e muito provavelmente o evangelista Lucas transferiu essa ideia para o seu texto. A interpretação em que eu acredito é de que cada fiel vai encontrar-se com o Julgador por ocasião da sua passagem do nível material para o espiritual, não havendo um determinado dia, no qual todos os vivos e mortos fariam tal apresentação. Apesar disso, a forma tradicional de interpretar essa passagem de Lucas (como um dia determinado para todos) ainda é amplamente majoritária.

No domingo de hoje, celebra-se também o dia mundial das comunicações, um fenômeno super importante do mundo moderno. Em nenhuma outra época, foi tão fácil e tão disponível, das mais variadas maneiras, a comunicação, sobretudo aquela que se faz através dos canais eletrônicos. O próprio Papa utiliza as redes sociais e incentiva os cristãos a utilizarem os meios eletrônicos de comunicação para o serviço da evangelização. As cerimônias religiosas transmitidas pela TV e pela internet são muito bem recebidas no mundo todo. Ou seja, a Igreja enquanto instituição vem usando os modernos canais de comunicação a serviço da evangelização, nos mais diversos modelos de transmissão. Ainda do ponto de vista institucional, temos os “padres cantores”, os canais de TV específicos para a divulgação de temas religiosos, das mais variadas comunidades religiosas, desde aquelas que oferecem um serviço de boa qualidade, até aquelas que tem um intuito comercial maior do que propriamente o interesse de evangelizar. Sinceramente, tenho dúvidas se se pode denominar isso de evangelização, no sentido da missão que Jesus confiou aos seus discípulos: ide pelo mundo e ensinai o que eu vos ensinei. Essa apropriação indevida (a meu ver) dos canais de comunicação para outros interesses, contudo, não justifica a total supressão da divulgação da mensagem religiosa por esses meios. Afinal, será o conhecimento e o discernimento de cada cristão que deverá saber separar o joio do trigo, por isso, a forma tradicional de evangelizar, através da pregação da palavra e dos ofícios religiosos presenciais não pode ser substituída pelas formas eletrônicas, as quais são válidas, mas devem ser utilizadas parcimoniosamente.

A festa da Ascensão do Senhor prepara a festa de Pentecostes, que será celebrada no próximo domingo. Ao se despedir dos discípulos, Jesus pediu que eles não se afastassem de Jerusalém, para que recebessem a “visita” do enviado especial do Pai, o Paráclito, que iria confirmar tudo e abrir-lhes as mentes para o seu correto entendimento. A segunda leitura, de Paulo aos Efésios, contém uma invocação do Apóstolos aos fiéis daquele tempo, que pode muito bem ser aplicada a nós, nesse momento, sem quaisquer adaptações do texto (Ef 1, 18-19): Que ele [o Espírito] abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos, de acordo com a sua ação e força onipotente. O mesmo Espírito que veio confirmar e esclarecer os ensinamentos de Cristo aos apóstolos deve continuar a sua atuação no nosso meio, para que possamos exercitar a amizade e a fraternidade através dos recursos técnicos que temos à nossa disposição.

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