domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO DA PÁSCOA - 28.04.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DA PÁSCOA – DIVINA MISERICÓRDIA – 28.04.2019



Neste segundo domingo da Páscoa, a liturgia celebra o “domingo da misericórdia”, dia consagrado a essa festa, que é nova no devocionismo católico, pois só passou a ser prestigiada no final do pontificado do Papa São João Paulo II. A exaltação da misericórdia divina é o reconhecimento das revelações particulares recebidas por Santa Faustina Kowalska, uma freira polonesa, falecida aos 33 anos, em 1938, e que deixou registradas, no seu diário, inúmeras visões em que Cristo aparece a ela com raios fulgindo do coração e pedindo-lhe a divulgação da sua misericórdia pela humanidade. A própria palavra “misericórdia” resume outras duas palavras latinas: miserere (ter compaixão) e cordis (do coração). O Papa Francisco, dirigindo-se aos peregrinos, no Vaticano, assim definiu essa virtude: “A misericórdia é, antes de mais nada, a proximidade de Deus ao seu povo. Uma proximidade que se manifesta principalmente como ajuda e proteção.” Foi em virtude de sua misericórdia que Deus se fez um de nós, concluiu o Papa, o que torna esta solenidade totalmente alinhada com as festividades pascais.

Na primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (At 5, 12-16), lemos diversos testemunhos narrados por Lucas (autor do texto) da grande adesão de novos cristãos, mediante a pregação dos Apóstolos e os milagres realizados por eles. Inicialmente, escondidos e trancados em casa por medo das perseguições que lhes ocorreram depois da morte de Cristo, no entanto, após a ressurreição, houve uma transformação no comportamento deles e no seu modo de agir. Diz o texto que acorriam multidões das cidades próximas de Jerusalém, para ouvir a pregação dos Apóstolos e traziam seus doentes para serem curados. Colocavam os doentes nos locais por onde eles deviam passar e esperavam que ao menos a sua sombra os alcançasse, porque isso era garantia de cura. Com efeito, pelos relatos de Atos, os Apóstolos fizeram grande quantidade de milagres, os quais não foram todos conservados nas narrações, até porque isso seria impossível, dada a sua profusão. Os milagres feitos por intermédio dos Apóstolos tinham uma força probante muito eficiente, porque demonstravam nas pessoas destes o poder e a divindade de Jesus. O poder de convencimento que os Apóstolos exerciam eram fortíssimo, ocasionando grande quantidade de conversões em Jerusalém e nas cidades próximas. Nessa época, a mensagem ainda era dirigida apenas aos judeus, chegando também aos gentios somente mais tarde. Diz Lucas (At 2, 41) que, num único dia, mais de três mil judeus se converteram e receberam o batismo.

Na segunda leitura, lemos um trecho do Apocalipse de João, na qual ele relata algo que passou, quando esteve exilado na ilha de Patmos, e declara que alguém, semelhante ao filho do Homem, afirmou para ele que havia morrido, mas agora está vivo para sempre, mandando ainda que ele escrevesse a visão que estava presenciando. O testemunho de João é valiosíssimo, porque ele convivera com Cristo em vida terrestre e O viu depois de ressuscitado, por diversas vezes. Associando-se isso ao fato de que João foi o Apóstolo que teve vida mais longa e, portanto, acompanhou todo o desenvolvimento do cristianismo nascente, tinha um conhecimento privilegiado de todos esses fatos e por isso a sua reflexão tinha aquela grande autoridade de cofundador do cristianismo. Um outro aspecto interessante do escrito de João é que podemos perceber ali (Ap 1, 11) um conceito da inspiração dos livros sagrados: o agiógrafo observa os fatos e os relata, de acordo com a sua percepção. Não podemos, pois, pensar que a palavra de Deus escrita, isto é, a Bíblia, tenha sido uma espécie de “ditado” ou um texto psicografado, como em algumas épocas anteriores assim se afirmava, para dar maior credibilidade aos textos. A mensagem é divina, mas a escrita é humana e a palavra de Deus é uma síntese dessas duas realidades, que nos compete interpretar.

O trecho do evangelho de hoje (Jo 20, 19-31) é o conhecido episódio da incredulidade de Tomé, um dos textos mais conhecidos do cristianismo antigo, porque ali João usava a imagem do apóstolo reticente para reforçar na fé os novos cristãos, ao dizer: bem-aventurados os que creram sem terem visto Jesus. E observemos que, embora Tomé tivesse dito antes que só acreditaria se pusesse o dedo nos locais das feridas de Jesus, quando se viu frente a frente com ele, ficou tão envergonhado de sua falta de fé que não teve outra iniciativa, senão a de prostrar-se e confessar soluçante a sua crença: Meu Senhor e meu Deus!. Podemos imaginar a cena em que Tomé teve sua arrogância inicial de incrédulo totalmente desmontada pelo chamado de Jesus: vem aqui e olha essas feridas… põe o dedo… ora, Jesus sabia do que Tomé havia dito e nem havia falado com ele antes. Desmoronou por completo a sua dúvida. Jesus teve uma atenção especial com Tomé, porque ele teve dificuldade de permanecer unido com o grupo, após a morte de Jesus, assim como aconteceu também com os discípulos que iam para Emaús, abandonando o grupo. E podemos concluir daí também que João narrou esse episódio com riqueza de detalhes exatamente porque, em algumas comunidades primitivas, ainda havia incertezas e interrogações acerca da humanidade real de Jesus, acerca da sua paixão e ressurreição, e João fora testemunha ocular de tudo aquilo, o que lhe garantia uma confiabilidade total nas suas narrativas. Certamente por isso é que esse episódio da incredulidade de Tomé foi narrado apenas pelo evangelista João, não se encontrando nos demais evangelhos. João tinha conhecimento do fato por experiência própria, por ter sido um dos que estavam presentes no momento, enquanto os outros autores dos evangelhos escreveram apenas pelo que ouviram ou leram a respeito. E João ainda diz mais que Jesus havia realizado muitas outras maravilhas, que não foram escritas naquele livro, as que estão escritas são apenas uma amostra de tudo o que Ele havia feito.

Quero fazer uma referência, neste contexto, a outro trecho dos Atos dos Apóstolos que foi lido na liturgia de ontem, sábado, acerca da pregação dos Apóstolos e da adesão em massa dos judeus ao cristianismo, causando preocupação aos chefes dos Sacerdotes e aos anciãos do povo. Estes sabiam que aqueles Apóstolos eram os mesmos que haviam seguido Jesus e sabiam que eles eram homens de pouca instrução, daí não conseguirem entender o motivo de eles terem ficado tão sábios e eloquentes da noite para o dia, fazendo milagres que eles não podiam negar, eles mesmos presenciaram os fatos. (At 4, 14). Mandaram prendê-los, mas logo depois os soltaram, com receio de uma reação por parte da multidão, que os estimava e defendia. E ficaram a discutir sobre o que fazer para frear o avanço do cristianismo nascente, para que “a coisa não se espalhe ainda mais entre o povo” (At 4. 17). Então, chamaram Pedro e João e os proibiram de ensinar e pregar o nome de Jesus, ameaçando-os. Eles simplesmente disseram que não obedeceriam aquela ordem e os fariseus não puderam fazer nada, por causa do grande apoio popular que os Apóstolos tinham.

Observa-se, meus amigos, como foi impactante o resultado da pedagogia de Cristo usada durante a sua missão de pregador, quando lemos sobre os fatos ocorridos após a sua morte. Os fariseus e os sumos sacerdotes fizeram uma manobra política para conseguir a condenação de Jesus à morte, na expectativa de que, com isso, seus discípulos se dispersassem e a coisa se acabasse por ali. Assim já havia acontecido com outros “revolucionários” e havia dado certo, pensavam eles que com Jesus seria a mesma coisa. Só que com Jesus a situação foi outra, porque Ele ressuscitou, isso fez toda a diferença. Desse modo, a grande massa ao ver os milagres operados pelos Apóstolos, em nome de Jesus, tiveram a certeza do seu poder e da sua origem divina, contrariando os prognósticos dos sacerdotes. O resultado disso é que a adesão à nova fé entre os judeus se apresentou em tal profusão que os sacerdotes ficaram sem saber o que fazer. Aquela estratégia imaginada com a sua condenação estava surtindo o efeito contrário do pretendido, ou seja, Jesus morto (mas ressuscitado), se tornara ainda mais poderoso do que antes de morrer. Essa é a grande mágica da loucura da cruz, de que fala o apóstolo Paulo (1 Cor 1, 18): “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” Os chefes dos sacerdotes, ao apresentarem Jesus como um louco perante a multidão e o submeterem ao máximo suplício, pensavam que haviam exterminado a sua pregação e a sua influência. Não demorou nada e aquela suposta loucura estava se transformando em extraordinário poder, contra o qual os seus algozes não tinham mais nenhum controle.

Meus amigos, neste segundo domingo pascal, acompanhemos as homenagens que são feitas à nova devoção cristã da misericórdia divina, compreendendo que a misericórdia divina é a nova imagem pela qual se apresenta a face de Jesus ressuscitado.

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