domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE PENTECOSTES - 09.06.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 09.06.2019 – ESPÍRITO DE DEUS



Mais uma vez, o ano litúrgico nos traz a celebração do domingo de Pentecostes. Encerrando o ciclo pascal, a vinda do Espírito confirma as promessas de Cristo aos apóstolos e marca o início oficial da primeira comunidade das pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar adiante a sua doutrina. A cidade de Jerusalém foi o cenário dessa extraordinária manifestação. Naquele dia, a cidade estava cheia de visitantes, de peregrinos das mais diversas regiões, para celebrar a festa judaica, chamada Shavuot, ou festa das semanas, na qual os judeus comemoram as primeiras colheitas e as oferecem ao Senhor. A vinda do Espírito Santo aconteceu em meio a uma das peregrinações judaicas mais importantes do ano. O escritor de Atos dos Apóstolos, o evangelista Lucas, com o detalhismo que lhe é peculiar, teve o cuidado de enumerar as nacionalidades dos presentes, conforme consta em Atos 2,9: partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia,da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; judeus e prosélitos, cretenses e árabes, em resumo, habitantes de todo o mundo judaico e grego, desde o Oriente Médio, passando pelo norte da África, até a ilha de Creta. A presença de pessoas de diversas nacionalidades naquele dia demonstra o objetivo de Jesus acerca da universalidade da sua mensagem.

É interessante observarmos de que modo Deus conduziu a história da nossa redenção, fazendo coincidir as duas datas mais importantes da economia da salvação com as festas religiosas judaicas já existentes, de modo a deixar bem caracterizada a passagem do Antigo para o Novo Testamento. Assim é que temos a Páscoa cristã na data da Parasceve, a páscoa judaica, e o Pentecostes na data da Shavuot, a festa das semanas. Esses eventos confirmam o ensinamento de Jesus, quando disse que não veio mudar a lei, mas cumpri-la com perfeição. A celebração de Pentecostes vem substituir a festa das semanas, marcando assim o evento inaugural oficial da Igreja de Cristo. Com a vinda do Espírito, naquela tarde de festa, causando um grande barulho, o fato chamou a atenção dos visitantes, que acorreram ao local para verem o que acontecera, sendo ali o início oficial a Igreja de Cristo, com aquela memorável pregação de Pedro, que está narrada em Atos 2,2. Ali foi uma espécie de aula magna para convidados especiais, representando os povos de diversas nações e que, pela ação do Espírito, eles ouviram a pregação de Pedro no seu próprio idioma, funcionando a eloquência do Espírito como um tradutor instantâneo. A leitura do texto diz que os apóstolos passaram a falar em línguas diversas, mas na minha opinião, eles falavam a língua comum deles, o aramaico. O resultado, conduzido pela ação do Espírito, fazia com que os ouvintes, mesmo sendo povos falantes de outros idiomas, conseguiam ouvir e compreender a pregação de Pedro como se ele estivesse falando em suas próprias línguas. Foi esse o milagre operado pelo Paráclito, naquele dia memorável.

A presença do Espírito é que dá vida e sustentação à ação da Igreja de Cristo. Desse modo, embora a liturgia celebre a festa de Pentecostes apenas em um domingo do ano, devemos estar cientes de que a vinda do Espírito não foi um fenômeno que aconteceu só naquele dia, mas que continua a ocorrer todos os dias, em todas as comunidades cristãs, falando coletivamente, e em cada cristão, falando subjetivamente. Pelo sacramento da crisma, cada cristão celebra o seu Pentecostes particular, recebendo o Espírito já não mais em forma de língua de fogo, mas nem por isso de um modo menos abrasador. Pelo batismo, nós ingressamos na comunidade dos cristãos, mas é pela crisma que nos habilitamos verdadeiramente para o exercício do envio à missão, da mesma forma como aconteceu com os apóstolos, naquele dia de Pentecostes. São Paulo, na epístola aos Coríntios (1Cor 12, 4) diz que há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Então, a missão de cada um dentro da Igreja pode ser diferente, mas nos anima e nos une o mesmo Espírito. Os cristãos ordenados, os clérigos, têm a missão de testemunhar Cristo e de anunciá-lo a todos, pregando a palavra e “presidindo” os trabalhos, seguindo na frente (esse é o sentido original do verbo latino praesum=presidir, ir na frente). Os cristãos não ordenados, os leigos, têm a missão de testemunhar Cristo e anunciá-lo a todos com o seu exemplo, com as suas obras e atitudes.

Ma mesma carta a Coríntios (1Cor 12,12), Paulo explica e exemplifica de maneira bem didática essa diversidade de dons, de carismas, de tarefas, através da analogia com o corpo humano: “Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo.” É a conhecida doutrina teológica do “corpo místico de Cristo”, da qual já ouvimos falar tantas vezes, mas é sempre oportuno recordá-la, para que nos conscientizemos da função que cada um de nós deve assumir nesse contexto. Não é necessário fazer nenhum esforço, basta deixar agir o Espírito que está em cada um de nós, basta ouvir a voz da nossa consciência, que nos transmite a mensagem vinda do Espírito. Todos sabemos que o exemplo vale mais do que as palavras. Então, o nosso maior testemunho será viver o dia a dia como autênticos cristãos. Mais do que pregar, discursar ou discutir religião com as pessoas, o nosso maior testemunho será com o bom exemplo silencioso, coerente, convicto, que produz muito mais efeito do que certas pregações de palavras bíblicas ao vento, levadas por aparelhos sonoros.

Há um pequeno trecho do evangelho de hoje (Jo 14, 16), que eu considero bastante significativo: “...e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco.” Nesta frase, eu destaco a expressão “outro defensor”. Em grego, temos “allon parákliton”, que São Jerônimo traduziu em latim para “alium paraclitum”. Primeiramente, consideremos a palavra “parákliton”. Essa palavra, em grego, deriva do verbo “parakaléô”, que significa 'convidar para ir junto'. Vamos aqui recordar uma praxe comum das culturas antigas grega e romana, na época em que não havia ainda os advogados. Uma pessoa, que fosse chamada para ir a um tribunal, podia chamar um amigo para “ir junto” a fim de ajudar na defesa. Esse é o sentido etimológico de “paráclito”. Então, a tradução simples de “defensor” não diz todo o sentido que a palavra original possui. O paráclito é o que vai com o amigo, que fica ao lado, que dá apoio e também defende, ou seja, é muito mais do que apenas um defensor. Agora, consideremos que o Espírito é o “outro paráclito”. O que podemos concluir daí? Que o primeiro paráclito é o próprio Jesus, que mesmo sem ser convidado, veio para ficar junto, para nos dar apoio e incentivo e também para nos defender. Mas a sua missão foi concluída, e agora virá ou “outro paráclito”, cuja tarefa é dar continuidade em modo permanente à missão do anterior. A missão do “outro paráclito” é perene, por isso diz o evangelista: “para que permaneça sempre convosco”.

Meus amigos, que grande dádiva e que grande conforto é saber que o outro Paráclito vai permanecer para sempre conosco, nos inspirando, nos incentivando, nos defendendo. Na linguagem contemporânea, existe uma palavra inglesa que se usa até sem tradução em português, o termo “coaching”, que tem de certo modo essa tarefa, sob o aspecto profissional. Pois bem, o Espírito é o nosso “coaching” espiritual, que nos acompanha na missão do dia a dia. E a pessoa que é mais assistida, porque é também a que mais necessita desse ajuda, é o nosso Papa Francisco, obstinado por construir uma nova Igreja. Faz poucos dias, a imprensa internacional deu destaque a um discurso do Papa, falando acerca do machismo presente na Igreja e da importância de uma maior participação das mulheres, inclusive em cargos no Vaticano. Ele nomeou, em novembro passado, uma professora italiana para a função de Subsecretária do Dicastério (uma espécie de Ministério) para os leigos e as famílias, sendo a primeira mulher a ocupar esse cargo. Certa vez, numa audiência com freiras, duas religiosas questionaram o Papa perguntando por que a Igreja Católica ainda faz discriminação com as mulheres e não permite que elas sejam diaconisas, como já foram nos primeiros tempos do cristianismo. O Papa, com a sinceridade e a simplicidade que lhe são características, topou imediatamente o desafio e disse mais ou menos assim: aí está uma boa ideia, nós precisamos compreender melhor com era a missão das diaconisas na igreja primitiva, eu vou designar uma Comissão especial para fazer um estudo sobre esse tema. A repercussão foi imediata e recebida com entusiasmo no meio feminino. A nova Igreja, que o Papa Francisco deseja, deverá ter como distintivo uma maior participação das mulheres nas diversas tarefas eclesiásticas. A resistência ainda é muito grande, mas a ação do Espírito consegue vencer todas as barreiras e empecilhos.

Que nós saibamos reconhecer e dar ouvidos às mensagens de apoio e incentivo que o nosso Paráclito está diuturnamente a nos soprar. Apuremos os ouvidos do coração para conseguir isso.

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