domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - FESTA DE SS PEDRO E PAULO - 30.06.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – SÃO PEDRO E SÃO PAULO – A CRUZ E A ESPADA – 30.06.2019

Caros Confrades:

A liturgia do 13º domingo comum cede lugar para a festa dos santos Pedro e Paulo, os fundadores do cristianismo em Roma. Ambos foram martirizados no tempo do imperador Nero e ambos tiveram fundamental importância na igreja primitiva, Pedro exerceu forte liderança entre os judeus, enquanto Paulo conquistou o mundo greco-romano. Ambos deram seus testemunhos de fé e perseverança, cumprindo o mandato do Mestre até as últimas consequências: Pedro foi crucificado, Paulo foi degolado. A fé semeada por eles e regada com o próprio sangue frutificou intensamente em todo o continente europeu, espalhando-se daí para o solo americano.

Pedro foi o primeiro bispo de Roma e, com isso, tornou-se a autoridade maior para todas as igrejas católicas ocidentais, porém essa liderança nunca foi aceita pelas igrejas católicas ortodoxas orientais, que possuem, cada uma, seu próprio Patriarca. A Igreja Siríaca de Antioquia, por exemplo, reclama a sua prioridade, porque Pedro foi bispo daquela comunidade antes de deslocar-se para Roma. Além desta, há catorze outras igrejas católicas ortodoxas, que não reconhecem a autoridade do Bispo de Roma. A Igreja Ortodoxa da Armênia se considera a primeira igreja cristã oficialmente reconhecida pelo Estado, no ano 301, enquanto que o cristianismo só foi reconhecido em Roma vinte anos depois. Ou seja, a liderança do Bispo de Roma se restringe mesmo ao catolicismo ocidental. Os Papas, desde o final do Concílio Vaticano II, retomaram um processo de diálogo com os irmãos orientais, após quase mil anos de afastamento. O papa Francisco vem seguindo os passos dos pontífices anteriores, buscando reintegrar as comunidades orientais e ocidentais católicas, com boa aceitação por parte das autoridades das outras igrejas. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido.

As leituras litúrgicas recordam fatos extraordinários atinentes à vida pessoal dos apóstolos Pedro e Paulo. Sobre Pedro, o escritor São Lucas narra, nos Atos dos Apóstolos (12, 1-11) a miraculosa libertação dele da prisão do rei Herodes, que o prendera para agradar os judeus adversários dos cristãos. Lucas destaca a liderança de Pedro e o tamanho da fé que a comunidade romana tinha nele. O rei Herodes sabia da importância hierárquica de Pedro e o mantinha na prisão com um esquema especial de segurança: quatro grupos de quatro soldados cada um, além dos guardas que ficavam na porta da prisão. E ainda por cima, Pedro estava amarrado com duas correntes, mas nada disso adiantou naquela ocasião em que Deus mandou o anjo para libertá-lo. O escritor sagrado destaca, neste episódio, a importância da oração da comunidade pelo seu pastor, fato que deve servir de exemplo para todos nós também nos dias de hoje. É muito comum as pessoas falarem mal dos padres e bispos quando, em certas ocasiões, eles se comportam de um modo não esperado ou até não condizente com o seu estado clerical. A narração de Lucas procura mostrar a integração que havia entre a comunidade cristã e Pedro, destacando que a oração dos fiéis foi decisiva para que Deus mandasse o seu anjo para libertar Pedro da prisão. A oração das nossas comunidades em prol dos seus pastores, assim como o apoio nas iniciativas da paróquia, faz parte da obrigação dos fiéis e demonstra a presença do espírito comunitário cristão.

A narrativa da libertação de Pedro tem um certo tom cinematográfico, assim como se costuma ver nos filmes de ficção científica. Na véspera do dia em que Herodes iria apresentá-lo ao público judeu, Pedro recebeu a visita do anjo do Senhor, que o conduziu para fora da prisão. Lucas diz (At 12, 9) que Pedro ficou sem saber se aquilo acontecia na realidade ou se ele estava apenas sonhando. Imaginemos a cena: Pedro dormia preso e acorrentado e despertou com uma luz, que no entanto, não despertou os soldados que dormiam ao lado dele. As correntes que lhe prendiam as mãos se soltaram e o barulho delas não despertou os soldados nem chamou a atenção dos demais guardas. Os portões abriram-se sozinhos diante dele e os guardas de plantão nada perceberam. Pedro seguia o anjo e via tudo aquilo acontecendo, mas não sabia se era apenas um sonho ou realidade. Somente quando se viu do lado de fora e livre foi que tomou consciência da sua libertação miraculosa. Diz o texto que isso aconteceu quando “o anjo o deixou”. Podemos imaginar a grande festa que aconteceu na comunidade cristã com a chegada de Pedro. E podemos imaginar também a ira e a decepção de Herodes, quando soube que Pedro não estava mais na prisão e ninguém sabia explicar como ele havia saído de lá. O fato é que a mão do Senhor não poderia faltar nessa hora crucial para a Igreja primitiva. A libertação de Pedro veio confirmar para a comunidade o valor da oração e atestar a proteção divina para com o seu líder.

Na segunda leitura, da Carta a Timóteo (2Tm 4, 6-18), o apóstolo Paulo, preso em Roma, diz que aguardava só a hora do seu sacrifício, expressando a sua fé e a confiança na salvação, segundo a promessa de Cristo, que ele anunciara por todas aquelas paragens. Combati o bom combate, terminei a corrida, mantive a fé, diz ele numa expressão que se transformou numa espécie de hino da vitória, que todo bom cristão pode entoar. A coroa da justiça, diz ele, está reservada não apenas para mim, mas para todo aquele que espera, com amor, a manifestação gloriosa de Cristo. As palavras de Paulo podem ser entendidas também como uma espécie de testamento espiritual, que ele depositou nas mãos do seu discípulo Timóteo, para ser distribuído com todos os cristãos. Ao chegar em Roma como prisioneiro, Paulo sabia que o seu fim estava próximo. Não foi necessário que a mão do Senhor providenciasse para ele a mesma atuação miraculosa que dedicara a Pedro, em outra circunstância similar, pois o trabalho de Paulo já estava concluído, conforme ele mesmo compreendera.

A leitura do evangelho de Mateus (Mt 16, 13-19) traz aquele célebre diálogo de Jesus com Pedro, no qual ele lhe dá as “chaves do reino do céu”, apelidando-o ainda de “pedra” sobre a qual se construirá a igreja, texto que serve de fundamento para a controversa doutrina do primado de Pedro. Com efeito, os outros evangelistas trazem esse diálogo de Jesus com Pedro, porém não mencionam o detalhe das “chaves do reino do céu”. Nem mesmo Lucas, que era um escritor muito minucioso, faz tal referência, limitando-se a dizer que Ele é o Cristo de Deus. (Lc 9, 18). E Mateus completa o discurso de Cristo dizendo que “o poder do inferno nunca poderá vencer” a Igreja. O texto latino é um pouco diferente, ao dizer “portae inferi non praevalebunt adversus eam”, ou seja, as portas infernais não prevalecerão contra ela. Esse trecho foi o que, por volta do século IV, deu origem à doutrina da autoridade superior do bispo de Roma sobre todas as demais igrejas. Sabemos, pela história, que a igreja cristã de Roma foi uma das últimas a serem constituídas. As igrejas de Jerusalém, de Antioquia, de Alexandria, de Constantinopla, de Chipre e diversas igrejas gregas são todas mais antigas do que a de Roma. Então, por que o bispo de Roma deveria ter autoridade sobre essas igrejas mais antigas? Os líderes dessas igrejas orientais nunca entenderam nem aceitaram esse fato, que foi objeto de calorosas discussões em diversos concílios, vindo por fim a provocar o desligamento das igrejas de língua grega com a igreja de língua latina, no ano 1054. Somente após o Concílio Vaticano II, o Papa Paulo VI começou um movimento de reaproximação da igreja romana com as igrejas orientais, o que vem sendo continuado pelos papas seguintes, com expressivos progressos. O papa Bento XVI nomeou como cardeais dois prelados orientais, sendo este um fator de esperança de que os elementos de discórdia sejam um dia superados.

Pois bem, podemos concluir que Pedro e Paulo são exemplos para nós de combatentes do bom combate, cada um na sua especificidade. Os estudiosos comentam sobre divergências doutrinárias entre Pedro e Paulo, que eram pessoas de culturas bem diferentes e também de formação diversa, no entanto, dentro dessa diversidade de abordagens o cristianismo, desde o início, tem se desenvolvido e se afirmado. Este é mais um ponto para nossa reflexão, quando nos deparamos com a existência de tendências e grupos até rivais dentro do catolicismo, cada qual querendo se destacar como o mais autêntico. Acima da rivalidade dos grupos e ao lado de qualquer divergência de compreensão está o evangelho de Jesus com a sua mensagem divina e verdadeira, aberta à compreensão de cada um de nós, dentro das peculiaridades de cada época. Independente deste ou daquele grupo, o que nos deve guiar sempre deverá ser a fiel e esclarecida adesão à mensagem de Cristo, que tem a característica divina de uma perene atualidade. Que o Espírito nos ajude a encontrar sempre o melhor caminho para seguir a Cristo com fidelidade.

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