domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DA QUARESMA - 24.03.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DA QUARESMA – CONVERSÃO DO CORAÇÃO – 24.03.2019



Neste 3º domingo da quaresma, as leituras litúrgicas fazem referência à automanifestação de Javeh a Moisés, no monte Horeb, na leitura do Êxodo, fato retomado por Paulo na carta aos Coríntios, fazendo relação com o ministério de Jesus: num caso e noutro, muitos não acreditaram. No texto do evangelho de Lucas (13, 1-9), Jesus menciona a necessidade da conversão, tomando exemplos de fatos ocorridos e do conhecimento de todos, sintetizando-os na parábola da figueira que não dava frutos.

Na primeira leitura, do livro do Êxodo (3, 1-8), vemos a vocação de Moisés, quando Javeh o escolheu para falar diante do Faraó. Isso aconteceu no monte Horeb, que é o mesmo monte Sinai. Curiosamente, hoje não se sabe com certeza onde fica esse monte. Os rabinos atuais divergem entre si acerca de três montes daquela região, sem saber qual deles teria sido o cenário da narrativa do Êxodo, sobre a sarça que pegava fogo sem se queimar. São os seguintes: 1. o monte Jebel Mussa ("a Montanha de Moisés") localizada entre as Montanhas de Granito ao sul da Península do Sinai; 2. o Monte Karkom, localizado ao sul de Israel, muito próximo da fronteira egípcia; 3. o monte Jebel el-Lawz, na Arábia Saudita, localizado numa região chamada de Midian, na época bíblica. Chega a ser incompreensível o fato de uma montanha tão importante para a história de Israel não ter uma localização geográfica estabelecida com precisão. O texto do Êxodo (3, 1) diz que Moisés apascentava o rebanho do seu sogro, que era sacerdote de Madiã. Pela correspondência da nomeclatura, parece que a terceira opção é a mais provável, no entanto, as peregrinações são mais constantes no monte Jebel Mussa, o que torna muito confusa a definição. Outra curiosidade é a palavra “sarça”, que em hebraico se diz “seneh” e que serve como etimologia para o nome “sinai”. Esta é uma planta comum na região, um arbusto espinhoso, da mesma família das acácias, que existem no Brasil mas não são espinhosas. Então, o que chamou a atenção de Moisés não foi a planta, porque havia muitas, e sim o fato de que estava “pegando fogo”, mas não se queimava, levando-o a perceber ali algo miraculoso.

Ao aproximar-se, uma voz vinda do fogo mandou que ele ficasse longe e tirasse as sandálias, porque aquela terra era sagrada. No diálogo entre Moisés e Javeh, Moisés perguntou-lhe o nome, foi quando Javeh emitiu uma autodefinição enigmática: “eu sou”, sem quaisquer complementos. O nome de Javeh é apenas “eu sou”, pois de fato, Deus não tem complementos, ele é todo e integralmente um, tornando-se desnecessária qualquer outra explicação. De acordo com o Monsenhor Manfredo Ramos, num sermão dominical, o verbo hebraico que é traduzido em português por “eu sou” (Ehyeh) tem um significado muito mais amplo do que a expressão correspondente em português, pois inclui não apenas o significado de “ser”, também o sentido de 'fazer ser', ou seja, além de SER absolutamente, Ele também faz as coisas serem. Seria uma autodefinição de Javeh como o criador do universo. “Eu sou” tem assim um significado ativo e dinâmico de ser, não o aspecto estático que a expressão em português sugere. “Eu sou”, este é o nome de Deus para sempre e assim ele será lembrado de geração em geração. Do nosso ponto de vista, para Deus, o nome não é o mais importante, mas sim a fé que temos nele e com base nesta fé, nós somos todos irmãos e sob a luz dessa mesma fé orientamos todas as ações da nossa vida.

Na segunda leitura, da carta de Paulo a Coríntios (1Cor 10, 1-6), encontramos a menção aos patriarcas e aos hebreus que atravessaram o deserto, conduzidos por Moisés, fugindo da escravidão em que viviam no Egito. Apesar de serem constantemente favorecidos por Javeh comendo o maná e bebendo a água do rochedo, no entanto, blasfemaram e desagradaram a Deus e muitos morreram antes de chegar na terra prometida. O próprio Moisés também teria recebido esse castigo, por haver duvidado do poder de Javeh. Na carta aos Coríntios, Paulo reproduz uma figura que era muito conhecido dos judeus daquele tempo, que era a imagem do Deus furioso e vingativo, que amava o povo, mas não os poupava, quando cometiam infidelidades. Então, diz Paulo, estes fatos devem servir de advertência a vocês, para que não repitam as mesmas atitudes reprováveis cometidas pelos seus antepassados, que foram alvo do anjo exterminador. Vejam bem: “anjo exterminador” é uma figura cultural do povo hebreu que parece indicar algo que, nos dias de hoje, chamamos de “castigos de Deus”. É interessante como, na cultura religiosa do nosso povo, ainda permanecem essas figuras fantásticas e aterrorizantes encontradas na tradição bíblica mais antiga.

Então, podemos perguntar: por que Paulo usaria essas imagens do tempo antigo já na era cristã, numa época em que Jesus Cristo já havia dito que tinha vindo abolir aqueles costumes com o seu novo mandamento? Na verdade, Paulo faz referência ao rochedo donde brotava a água no deserto, vendo neste rochedo uma prefigura de Cristo, a fonte da água viva. Verifica-se, na verdade, um esforço de Paulo para integrar a antiga aliança com a nova aliança, através de uma catequese que aproveitasse os conhecimentos da tradição hebraica, pois os cristãos da cidade de Corinto eram, em grande parte, judeus convertidos, que conheciam bem essas histórias dos patriarcas. Ficava, portanto, mais fácil para Paulo lançar mão dos conceitos da tradição conhecida por eles para fazer a relação com a mensagem de Cristo. Havia, entre estes judeus, um conceito que nós ainda encontramos na mentalidade religiosa do nosso povo de que, quando acontece algo de ruim com alguém, aquilo foi um castigo de Deus. Isso era também entendido pelo raciocínio inverso, ou seja, que quando alguém havia sido beneficiado com algo de bom, isso seria um prêmio de Deus, uma espécie de reconhecimento de Deus pelos méritos desta pessoa.

Essa referência aos Patriarcas termina com a advertência de Paulo: quem julga estar de pé, tome cuidado para não cair. (1Cor 10, 12). Esse cuidado diz respeito à conversão do coração, todos nós necessitamos constantemente de conversão. Converter-se quer dizer estar sempre voltado para Deus, não apenas quando passamos por alguma dificuldade, enfrentamos uma adversidade. Alguns cristãos só se lembram de rezar, de voltar-se para Deus quando as coisas não vão bem. Então, diz Paulo, quem pensa que está de bem com Deus porque não foi castigado e, ao contrário, pensa que o irmão que sofre é porque não está de bem com Deus, deve mudar essa mentalidade. Se não houver “conversão” contínua, isto é, se não houver mudança de mentalidade, pode acontecer o mesmo que aconteceu no deserto: virá o “anjo exterminador”, representado sob a forma de presunção da salvação. Ninguém tem a salvação garantida, pois essa depende de esforço constante. Com isso, ele quer significar que a conversão não é uma atitude que acontece uma vez na vida e pronto, mas ela deve ser renovada a cada dia, na nossa consciência e nas nossas atitudes. O batismo não é garantia de salvação por si só, se não for complementado com um trabalho contínuo de renovação interior, pela leitura e meditação da escritura, pela inserção dos ensinamentos de Cristo no nosso dia a dia. Por isso ele adverte: quem pensa que está em pé (de bem com Deus, com a salvação assegurada), tenha cuidado para não cair (não deixar a presunção e o orgulho embotarem a sua visão de fé).

Este é também o ensinamento que retiramos da passagem do evangelho de Lucas (13, 1-9), quando os judeus falaram a Jesus sobre alguns do povo que haviam sido mortos por ordem de Pilatos, que confundiu o ritual de sacrifícios de animais deles com alguma ação de rebeldia, de modo que eles foram assassinados sendo inocentes. Por isso, Jesus pergunta aos próprios portadores da notícia: por acaso, vocês pensam que estes que morreram eram mais pecadores do que os outros? Dentro daquela mentalidade judaica, essa desgraça acontecida com cidadãos inocentes era entendida como um 'castigo divino' por alguma coisa imprópria feita por eles. Então, Jesus aproveita a ocasião para ensinar que não é nada disso, que não se deve associar o sofrimento de alguém com uma espécie de 'vingança' de Javeh, porque isso pode acontecer a qualquer um. Não se trata de vingança de Javeh, mas trata-se de um fato da vida, que não está relacionado com o poder divino, mas com a negligência ou ignorância dos seres humanos. Trazendo para os dias de hoje, Jesus diria que os tsunamis, o desequilíbrio ecológico do planeta, as epidemias viróticas disseminadas por toda a parte, a violência generalizada não são castigos divinos, mas são produtos da ação egoísta e desastrosa comandada pelo próprio homem.
Meus amigos, ouçamos com nossos ouvidos de hoje o que diz Paulo e não deixemos que o mesmo venha a acontecer conosco. Quem pensa estar de pé, tenha cuidado para não cair.

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