domingo, 14 de julho de 2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA PÁSCOA - 18.05.2019

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA PÁSCOA – MANDATUM NOVUM 18.05.2019



Na liturgia deste 5º domingo da Páscoa, o apóstolo João nos traz um tema que é central para todo o cristianismo: o novo mandamento de Jesus – amai-vos uns aos outros como eu vos amei. O povo hebreu já conhecia os mandamentos da Lei desde Moisés, mas João ensina que Jesus veio aperfeiçoar os antigos mandamentos e resumi-los em um só: o mandamento do amor. Com isso, aquela imagem do Javeh vingativo e possessivo, irado e violento, que era transmitida na Torah de Moisés, transmudou-se no Deus Amor, revelado por Jesus, aquele que está sempre pronto para perdoar.

Na primeira leitura, lemos o testemunho de Paulo e Barnabé, em viagem missionária pelas cidades da Capadócia, pregando aos pagãos e voltando anunciar que Deus abrira a porta da fé a eles, já que os judeus recusaram-se a aceitar o Messias. No domingo anterior, vimos como Paulo e Barnabé foram maltratados em Antioquia e proibidos de pregar o nome de Jesus. Então, partiram para pregar a palavra de Cristo aos gentios. E assim, eles viajaram por várias cidades da região da Frigia e Capadócia (Listra, Icônio, Pisídia, Panfília, Perge, Atália) e retornaram a Antioquia, onde anunciaram à comunidade de cristãos como os pagãos tinham sido receptivos à pregação do evangelho e tinham-se engajado com entusiasmo, produzindo bons frutos. Estas cidades situam-se, geograficamente, na região que hoje corresponde ao território da Turquia, sendo as mais famosas Antioquia da Síria (hoje chama-se Antakya) e Antioquia da Pisídia. Este território, atualmente, é vinculado à Igreja Católica Ortodoxa Siríaca, com sede em Damasco. Esta última cidade, Antioquia da Pisídia, é a mesma referida na leitura dos Atos do domingo anterior, onde Paulo e Barnabé foram perseguidos e expulsos. Esta foi também a primeira viagem missionária de Paulo, houve ainda outras duas, nas quais ele chegou a pregar o cristianismo em outras comunidades gregas, aventurando-se até em Roma.

É importante lembrar que nem sempre Paulo e Barnabé eram bem recebidos quando chegavam para a sua pregação, no entanto, eles eram insistentes. Em Listra, por exemplo, na primeira vez em que estiveram lá, pelos milagres que realizavam, eles foram confundidos como personificações de Júpiter, o deus principal da religião do lugar, e até chegaram a ser homenageados por isso. Quando Paulo e Barnabé perceberam que os listrenses estavam entendendo tudo errado do que eles pregaram, afastaram-se das homenagens e foram explicar. Então, os judeus de Antioquia haviam chegado à cidade em perseguição à dupla e começaram a espalhar boatos contra eles. A população os perseguiu e os apedrejou, arrastando-os até fora da cidade. Para eles, Paulo havia sido dado como morto, talvez tivesse desmaiado, perdido os sentidos, pois depois se recuperou. Mas, apesar das perseguições, eles conseguiram obter muitas adesões nestas cidades. E conforme está escrito em Atos 14, 23, eles fundavam as comunidades, designavam presbíteros (ou sejam, ordenavam sacerdotes os lideres da comunidade) e seguiam adiante para continuar sua missão em outras cidades.

A segunda leitura, do livro do Apocalipse (21, 1-5), contém uma das passagens bíblicas mais conhecidas e interpretadas: a imagem da Nova Jerusalém, que desce do céu, de junto de Deus. Isso aconteceu depois que o céu e a terra, assim como o mar, foram destruídos, e apareceu um novo céu e uma nova terra. A Nova Jerusalém era a própria morada de Deus entre os homens. A Nova Jerusalém é interpretada na teologia como a Igreja de Cristo. Ao longo do tempo, esta imagem foi explorada com um certo ar triunfalismo desde os teólogos medievais, dando origem a uma espécie de empoderamento com que os membros da hierarquia eclesiástica se viram durante muito tempo (alguns ainda hoje assim se veem), ou seja, interpretando esta imagem como um tipo de reino temporal ou poder político, nos moldes como isso existia naquela época histórica. Esqueceram, esses cristãos triunfalistas, da exortação de Paulo, contida na primeira leitura de hoje (At 14, 22): 'É preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus'. Apesar da nova corrente interpretativa, que passou a ser estimulada a partir do Concílio Vaticano II e, sobretudo a partir da Conferência de Puebla, em 1979 (cujo 40º aniversário está sendo comemorado), acerca da opção preferencial da Igreja pelos pobres, muitos eclesiásticos e leigos ainda continuam a entender a Igreja de Cristo como um reino temporal, muitos Bispos e Padres vivem e agem como verdadeiros monarcas em seus territórios, em total oposição com o que Cristo ensinou. Um exemplo disso é o modo como certos grupos católicos tradicionalistas desdenham do Papa Francisco, comparando-o com a figura do papa emérito Bento, a quem consideram o papa autêntico. Na verdade, o papa Francisco tenta restaurar o modelo original da Igreja de Cristo: igreja dos pobres para os pobres. E para não ficar apenas no discurso, ele se reúne com os pedintes da Praça de São Pedro oferecendo-lhes almoço e até mandou construir banheiros públicos para uso dos moradores de rua do Vaticano, dando-lhe mais condições humanas e dignidade.

Então, a Nova Jerusalém, que surge dentro do contexto de um novo céu e uma nova terra, a morada de Deus entre os homens, onde Ele enxugará toda lágrima, a morte, a tristeza, a dor desaparecerão, conforme a visão de João em Patmos, sempre cheia de metáforas e enigmas, deve mesmo ser entendida como a imagem da Igreja de Cristo? Eu diria que sim e não. Sim, porque a comunidade fundada por Cristo, a partir da catequese distribuída aos doze apóstolos e, através deles, para todos os crentes em todos os lugares, efetivamente desceu do céu, de junto de Deus, formando um novo céu e uma nova terra. Não, ou ainda não, porque essa comunidade, que forma a Igreja de Cristo, é por enquanto só o prenúncio da “Jerusalém” verdadeira, a morada de Deus na eternidade. A Igreja de Cristo antecipa, pela fé, a Nova Jerusalém para onde nós seremos conduzidos, após passarmos pelos muitos sofrimentos, conforme Paulo e Barnabé exortaram os antioquienses (At 14, 22). Quando eu estudava teologia, no Seminário da Prainha, na década de 1970, o Padre Antonio Sidra (que havia sido capuchinho, com o nome de Frei Casemiro de Grajaú), professor de teologia fundamental, dizia uma expressão que é clássica na doutrina: a Igreja realiza o reino de Deus dentro da dialética do “já e ainda não”. Desse modo, à luz da fé, a Nova Jerusalém relatada por João no Apocalipse, já está aqui, porém, de fato, ela ainda não está, pois nós chegaremos lá somente quando passarmos para a dimensão da eternidade. A Igreja de Cristo antecipa, pela fé, as promessas que Ele fez e nos deu como garantia o seu sublime sacrifício. Mas esta antecipação é em termos, ou seja, na fé e na esperança, e para alcançá-la, nós precisamos praticar a caridade, o exemplo, a solidariedade, a justiça, a união, a fraternidade... isto é, o novo mandamento que Jesus ensinou e praticou. Como disse o apóstolo Paulo em I Cor 13, 12: agora vemos de maneira confusa, como num espelho embaçado, mas depois o veremos face a face. É isso o já e ainda não, o modo como a Igreja de Cristo prefigura a Nova Jerusalém.

No evangelho de João (13, 31), lemos a conversa que Jesus teve com os apóstolos no final da Santa Ceia, após aquele momento tenso em que Judas se retirou da recinto. Os outros discípulos ficaram atônitos e sem reação. Jesus foi acalmá-los, dizendo: chegou o momento em que o Pai será glorificado e isso logo acontecerá. E acrescentou: “por um pouco de tempo, ainda estou com vocês. Lembrem-se do novo mandamento que vos dei: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” Aqui está a grande novidade que Jesus veio ensinar aos seus seguidores: o mandamento do amor mútuo, sem reserva. Aquela figura do Javeh odioso e vingativo ficou para trás, ela foi substituída pela figura do Pai amoroso, que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva. Todo o evangelho de João é um grande testemunho deste amor sem medidas, o qual está presente em todas as narrativas. Diferentemente dos demais evangelhos, em que os fatos são o destaque, nos escritos de João (cartas e evangelho), os fatos são apenas o pretexto para o amor de Deus se manifestar. A própria terminologia usada no texto reflete essa temática, como vemos em Jo 13, 33: “Filhinhos, por pouco tempo ainda estou convosco.” Nenhum dos outros evangelistas utiliza essa linguagem intimista e afetuosa de chamar os apóstolos de “filhinhos”. O evangelho de João transpira o amor de Deus, revelado no amor de Cristo.

Aqui está o nosso desafio cotidiano: cumprir o novo mandamento de Cristo, para assim testemunhar perante a comunidade que vivemos agora o “já e ainda não” da Nova Jerusalém, que é a nossa futura e definitiva morada.

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