sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

18º Domingo Comum - 31.07.2011 - o pão da fartura


Caros Confrades,

A liturgia deste domingo (31/7) pode ser denominada o domingo da
fartura. As leituras do AT e NT se ajustam de um modo singular. Isaias
diz: "vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro,
tomar vinho e leite, sem nenhuma paga... Ouvi-me com atenção, e
alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo". E o
evangelista Mateus relata que a multidão foi saciada com o pão da
palavra e com o pão do trigo. A profecia de Isaías se realizou
integralmente na multiplicação dos pães.
Isaías foi o profeta que melhor 'desenhou' a figura do futuro Messias. O
trecho citado na leitura de hoje é do cap. 55, denominado pelos exegetas
de 'DeuteroIsaías', porque a crítica literária concluiu que, a partir do
cap. 40 do livro de Isaías, o texto foi escrito após a morte do profeta,
por seus discípulos, que deram continuidade à obra do Mestre. Diz-se por
tradição que foi Isaías, mas de fato, a autoria material do texto é de
outras pessoas, tendo sido atribuído a Isaías. Mas sendo ou não da
autoria do titular, o fato é que a profecia se adequa com muita
propriedade aos fatos futuros.
Em relação ao texto de Mateus, cap.14, o relato da multiplicação dos
pães tem pequenas variações na narração de João, cap. 6. No texto de
Mateus, este relata que JC foi para um lugar afastado, depois que soube
da morte de João Batista, tendo sido 'descoberto' pelas multidões que
foram até ele para ouvi-lo. No texto de João, este não se refere à morte
de João Batista, mas sim ao fato de que João veio dar testemunho dele
(vide cap 5, a partir do v. 31). O texto de João é mais teológico, o
texto de Mateus é narrativo apenas.
No final do cap 5 de João (v.39), JC faz uma menção direta a Isaías,
quando declara: "examinai as escrituras, pois vós acreditais que nelas
terão a vida eterna; são elas que dão testemunho de mim". Iniciando o
cap. 6, João passa a relatar a multiplicação dos pães, dizendo: depois
disso, JC atravessou o mar da Galiléia, que é chamado de Tiberíades, e
as multidões o seguiram. Mateus não traz esta reflexão sobre o
'testemunho de João'.
Outra divergência diz respeito ao diálogo acerca da fome da multidão. No
texto de Mateus, são os discípulos que demonstram preocupação e vão
procurar JC para dizer: despede as multidões, para que possam ir
procurar comida. No texto de João, é o próprio JC quem pergunta a
Felipe: onde encontraremos pão para estes comerem? E Felipe respondeu:
duzentos denários de pão não seriam suficientes... No texto de Mateus,
os discípulos dizem: só temos aqui cinco pães e dois peixes... No texto
de João, é André quem diz: aqui tem um rapaz com cinco pães e dois
peixes. Embora essas pequenas diferenças não alterem a essência da
narrativa, contudo demonstram uma modificação ocorrida no decurso do
tempo. O evangelho de Mateus foi escrito por volta do ano 70, enquanto o
de João foi escrito no ano 100 e cada um deles estava em local
geográfico diferente. Isso demonstra que várias fontes circulavam na
região e nem todas tinham o mesmo teor.
Faço essas referências apenas por motivo de análise textual, mas o
ensinamento teológico presente é o mesmo: a doutrina de JC abrange o ser
humano integralmente, tanto no aspecto espiritual quanto no material. JC
sabia que se o físico não está bem alimentado, o espírito não terá
energia para compreender e por em prática a doutrina. O pão do corpo e o
pão do espírito se completam. Uma certa abordagem teológica produzida na
Idade Média, sobretudo por influência do pensamento de Platão,
supervalorizava o espírito em detrimento do corpo, daí a prática de
penitências e mortificações introduzidas na pedagogia tradicional,
ensinando uma noção depreciativa acerca do corpo. Vejam o que JC disse
aos discípulos: eles não precisam ir embora, dai-lhes vós mesmos de
comer. E complementa João: Ele disse isso para testar os discípulos,
porque já sabia o que iria fazer (João 6,6). A doutrina cristã do
cuidado com o ser humano inteiro, e não apenas com o espírito, foi
esquecida por esta corrente tradicional. Ao multiplicar os pães, JC
ensinou não apenas que o pão do espírito deve se integrar com o pão do
corpo, mas ensinou tb que o Pai não deixará faltar o pão material
àqueles que tiverem zelo com o pão espiritual. Não só não faltará, como
o terá em abundância. Diz o evangelista que, do que sobrou depois que
todos ficaram fartos, foram enchidos doze cestos. Ou seja, o pão da
palavra é o verdadeiro pão da fartura.

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