Caríssimos Confrades,
ainda embalado pelo fraternal e primoroso encontro deste dia, no Seminário de Messejana, berço comum a todos nós, agradecido à espetacular acolhida que nos foi proporcionada por Frei Domingos, convido-os a refletir um pouco sobre a festa litúrgica de hoje, Ascensão do Senhor.
No meu entender, a ascensão é o corolário da ressurreição, como se fosse a continuidade desta. JC ressuscitou, mas continuou visitando os apóstolos, prosseguindo na catequese deles, reforçando e aprofundando os seus ensinamentos, para que eles pudessem depois transmitir ao mundo inteiro de forma fiel, servindo-se, para esta tarefa, de quarenta dias terrenos. Falo dias terrenos, por JC ressuscitado, encontra-se na dimensão da eternidade, então nesta condição, não se contam mais os dias nem os anos. Só após essa segunda etapa do aprendizado, ele se foi definitivamente, prometendo voltar.
Permitam-me fazer aqui um paralelo alitúrgico com o espiritismo. Talvez este fato de JC ter permanecido ainda por algum tempo entre os apóstolos, em forma espiritualizada, reforce a doutrina espírita, ao afirmar que o espírito fica 'vagando' por algum tempo, até encontrar-se definitivamente com a luz... para mim, não se trata do mesmo fenômeno, mas enfim, pode-se fazer este paralelo.
Mas voltando ao tema litúrgico, vê-se o cuidado que JC teve na preparação dos apóstolos, que eram sabidamente pessoas de pouca instrução, para continuar a instrui-los após a sua ressurreição, porque Ele precisava sedimentar na mente deles algumas verdades que havia ensinado de modo metafórico, e nesta segunda etapa do treinamento, aquilo que Ele lhes havia dito em linguagem figurada, havia se concretizado, e assim os apóstolos puderam entender melhor o que JC lhes queria dizer. Depois, então, com o Pentecostes, completou-se o ciclo da aprendizagem e iniciou-se a missão.
Verifica-se, na ascensão de JC, a repetição da simbologia do número 40, que acontece diversas vezes na Escritura: os 40 dias do dilúvio, os 40 anos da peregrinação do povo pelo deserto, os 40 dias de Moisés no Sinai quando recebeu as tábuas da lei, Davi reinou por 40 anos, Salomão reinou por 40 anos tb, Elias caminhou por 40 dias e 40 noites após ser alimentado pelo anjo, os 40 dias do jejum de JC no deserto, e na liturgia, temos os 40 dias da quaresma e depois os 40 dias entre a ressurreição e a ascensão. (OBS: lembremo-nos que o dia da ascensão foi a quinta feira passada, dia 2/6, quando se completam os 40 dias, sendo que a celebração neste domingo ocorre só no Brasil, por conta do acordo entre CNBB e governo federal, acerca dos feriados religiosos).
Há diversas interpretações para esta simbologia bíblica dos 40, sendo associada tb à cabala, que era uma seita mística judaica, mas em geral os biblistas entendem 40 como sendo o número que significa o tempo necessário para preparação de algo novo que vai chegar. Evidentemente, não se vai dizer que JC passou 40 dias contados no calendário, essa contagem se faz por motivos práticos, para ajustar aos dias do ano e para manter a simbologia bíblica, porque, conforme já escrevi aqui outras vezes, não se pode interpretar a Bíblia literalmente, como fazem alguns 'evangélicos'.
A narrativa bíblica de que 'uma nuvem o cobriu' e depois 'apareceram dois homens vestidos de branco' são tb simbologias. Mas eu já ouvi um 'crente' afirmar que JC vai voltar no meio de uma nuvem, do mesmo modo como subiu, e vai colocar à Sua direita os que cumpriram o descanso do sábado, ficando à esquerda os que não cumpriram isso... claro que se trata de uma interpretação absolutamente fundamentalista e não deve ser esta a melhor compreensão da mensagem. Por certo, a 'volta de JC para julgar os vivos e os mortos' não acontecerá num evento que se costuma denominar de 'fim do mundo', o grande cataclisma ou o armagedon, mas encontrando-se na dimensão da eternidade (ou seja, do não-tempo), este fim do mundo para Ele já ocorre (na eternidade, tudo é presente, não se usam verbos no passado) e então o 'fim' será para cada um de nós que for chegando ao final de sua permanência na esfera da temporalidade e adentrando na dimensão atemporal. Aqueles quadros medievais, que adornavam antigamente as paredes do seminário, mostrando sepulturas se abrindo e os mortos saindo de lá, são frutos da imaginação dos artistas europeus de antanho, não podem mais servir de parâmetro para o nosso entendimento no mundo atual.
Então, no meu entender, o conceito de juízo final, que tanto assustou os nossos pais e outros antepassados, não será um 'dia' de cataclisma (como diz a antífona: dies irae, dies illae, calamitatis et miseriae, dies magna et amara valde-dia de ira, aquele dia, de calamidade e de miséria, grande e mui amargo dia). Cada um de nós, ao concluir a nossa existência temporal, terá a sua ascensão e chegará ao 'dia eterno' em que JC julga todos, na sua dimensão da eternidade. Para nós, isso acontece num tempo determinado; para JC, simplesmente acontece, e pronto.
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