Prezados Confrades,
O evangelho deste domingo relata o conhecido diálogo de Cristo (incógnito) com os discípulos que iam para Emaús.
Sempre que eu leio essa passagem, me recordo do painel que existe na igreja de São Francisco, no convento de Sobral. Os Colegas que moraram lá e os que conhecem o templo devem se recordar. São dois grandes murais: Francisco segurando as colunas da igreja no lado esquerdo e Jesus partindo o pão com os discípulos em Emaús no lado direito.
E tb a frase antológica, traduzida por Jerônimo: Mane nobiscum, Domine, quoniam advesperascit. Fica conosco, Senhor, porque anoiteceu. Conforme o relato bíblico, isso se deu no primeiro dia da semana, isto é, no mesmo dia da ressurreição, à tardinha. E me faz lembrar tb do comentário que fiz no domingo passado sobre o corpo de Cristo ressuscitado. Por que será que os dois discípulos demoraram a reconhecer? É de se supor que ou a aparência de Cristo ressuscitado tinha alguma diferença do corpo físico ou então aqueles discípulos não eram seguidores assíduos de Jesus, por isso não conheciam bem as suas feições. Sou mais tendente a crer na primeira alternativa. O tempo que Jesus caminhou com os dois, os diálogos que tiveram no percurso, nada disso os fez reconhecer. Eles não seriam desatentos a ponto de não reconhecerem, até porque eles haviam esperado três dias por alguma novidade. Deve ser mesmo por causa de alguma diferença na aparência.
Curioso tb é que os dois disseram: pensávamos que ele iria libertar Israel... esse foi o dilema que levou Judas a trair, ele achava que forçando a barra, Jesus iria por fim se enfurecer (como acontecera no templo com os vendedores) e iria fazer alguma mágica pra se livrar dos soldados na hora de ser preso; só que nada disso ocorreu e a decepção de Judas foi sem tamanho.
Outro fato interessante narrado no evangelho é que, quando os dois perceberam que era Jesus, logo ele desapareceu na cara deles, isto é, não saiu correndo nem disparou em alta velocidade, simplesmente evanesceu. Era assim que ocorria tb quando Ele entrava no cenáculo, estando as portas fechadas e depois saía sem que as portas fossem abertas. Essas são algumas das características do corpo-espiritual em que nos tornaremos após a ressurreição.
Por isso, no comentário que escrevi para o Bosco e depois enviei para todos, referi-me a não pensar antropomorficamente. A nossa referência existencial é o corpo-materia, mas para cogitarmos sobre os eventos da ressurreição, devemos fazer um esforço mental para superar isso.
Certa vez, eu vi um adesivo colado no parabrisas de um veículo com os dizeres: onde você passará a eternidade? Aí está um grande contrassenso ao pensar antropomorficamente as coisas da além-vida. Eternidade não passa, eternidade é tudo um momento único. O que passa é o tempo, eternidade é a dimensão do não-tempo. Eu tb já vi em convite de missa de pessoas falecidas dizeres assim: três anos de eternidade... outro contrassenso, eternidade não se mede em anos, eternidade é, simplesmente.
Lembremos a autodefinição de Javé, quando Moisés perguntou quem era ele: eu sou. E pronto. Assim, a eternidade é. Naquelas gravuras antigas que enfeitavam as paredes dos nossos claustros havia inscrições onde diziam que no inferno só há duas palavras: nunca, sempre. Referiam-se ao castigo eterno. Tirando essa apelação tosca, entendo que assim devemos pensar a eternidade: nunca, sempre.
Por isso, a morte e a ressurreição de Cristo foram uma vez só e para sempre, porque para nós, aconteceu na dimensão do tempo, mas para Ele aconteceu na dimensão da eternidade, então é sempre, sempre. Em cada missa, se faz a memória desse acontecimento eterno. Daí porque, segundo penso, não é a quantidade matemática de missas assistidas que torna alguém mais cristão do que outro. Daí porque, em cada missa, acontecem de novo a morte e a ressurreição de Cristo, embora este fato só tenha acontecido historicamente uma única vez. Mas esta única vez foi na dimensão da eternidade, ou seja, na dimensão do sempre, por isso, cada nova celebração temporal, mesmo somando todas, nunca se igualará à missa eterna.
Lembrei-me agora que o Frei Agostinho possuía cadernos, nos quais ele anotava todas as missas que havia celebrado desde que foi ordenado, e tinha vários deles. E ele celebrava, no mínimo, três missas todos os dias; aos domingos, então, eram cinco missas. Às vezes, celebrava com o templo vazio, mas essa era a sua prática. Exatamente ao contrário do que escrevi acima. Mas, que Deus o tenha na sua glória.
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