sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Domingo de Pentecostes - 12.06.2011 - línguas de fogo


Caríssimos Confrades,

A liturgia de hoje celebra a festa de Pentecostes, o recebimento do Espírito Santo por Maria e pelos Apóstolos. Esta comemoração pode ser considerada o ato institucional de fundação da Igreja de Cristo, não propriamente da Igreja Católica, mas de todas as igrejas cristãs. Com efeito, JC fundou uma 'ekklesia', ou seja, uma comunidade de seguidores que, ao longo da história, foi se multiplicando em diversos lugares e assumindo diversas denominações.
Foi com o recebimento do Parakleton que os Apóstolos ganharam coragem pra sair às ruas e proclamar a todos os ensinamentos de JC. Antes, eles estavam acovardados e escondidos, com medo de represálias. Foi o Espírito quem os animou e lhes conferiu os dons necessários para o cumprimento da missão.
A vinda do Espírito Santo foi tb o cumprimento de uma promessa de JC em suas aparições aos Apóstolos após a ressurreição: eu voltarei para o Pai, mas mandarei o Parakletos e Ele vos mostrará toda a verdade. Com efeito, com o recebimento do Espírito, os Apóstolos encheram-se de notório saber e causaram admiração entre as pessoas que os conheciam e nunca os tinham visto assim. Diz Lucas, em Atos, que o povo comentava: não são estes homens galileus, como é que nós os escutamos nas nossas próprias línguas, nós que somos de localidades diferentes?
Os pentecotalistas chamam a isso de 'dom das línguas' e começam a pronunciar palavras e frases desconexas, fazendo de conta que estão recebendo o Espírito naquele instante. Puro ilusionismo e ficção. Na verdade, os Apóstolos não falavam outros idiomas por eles desconhecidos, ao contrário, as pessoas de outras nacionalidades, portanto, de outros idiomas nativos é que os ouviam 'como se' estivessem falando nos seus próprios idiomas. Nisso consistiu o milagre do Espírito, no ato institucional da Igreja de Cristo. Ou seja, mesmo falando na língua hebraica, que era a língua nativa dos Apóstolos, as pessoas de outros idiomas entendia o que eles falavam. Usando uma comparação com os dias de hoje, diríamos que o Parakletos funcionou como um 'tradutor simultâneo' para aquelas pessoas, que ouviam a mensagem cristã pela primeira vez.
Agora, um pouco da história e da etimologia do termo. A palavra 'pentecostes' vem do grego e significa literalmente 'quinquagésimo'. Refere-se a uma festa judaica que acontecia 50 dias após a Páscoa. Todos sabem que a Páscoa é muito anterior ao cristianismo, pois o pentecostes tb era. Então, da mesma forma que JC 'programou' a sua ressurreição para acontecer na Páscoa, tb a vinda do Parakleton foi assim programada para outra festa importante. Qual o objetivo dessa programação? Coincidir com um dia de festa, no qual a cidade estaria cheia de gente, tanto dos seus próprios habitantes, quando de visitantes outros.
Diz Lucas, em Atos, que ouviu-se um estrondo que chamou a atenção de todos, que correram para ver o que havia acontecido. Quando chegaram ao local, encontraram os Apóstolos pregando a mensagem de JC e operando maravilhas em seu nome. Conforme o relato de Atos, muitas pessoas ali mesmo se converteram e aceitaram a mensagem cristã, recebendo o batismo. É, portanto, o dia da fundação da Igreja, a sua oficialização. Tudo isso, de acordo com a tradição cristã.
Porém, a narração de Pentecostes, como está em Atos, conflita parcialmente com o evangelho de João, pelo menos em dois pontos. Primeiro, João não diz que foi no quinquagésimo dia, diz apenas que estavam todos reunidos no mesmo lugar, com medo dos judeus, quando JC apareceu, deu-lhes a paz; segundo, João não se referiu a linguas de fogo, diz apenas que JC soprou sobre eles e disse: recebei o Espírito Santo. Assim, bem simples, não falou em estrondo ou ventania nem falou que era um dia em que havia muita gente na cidade.
Agora, raciocinem comigo: João, autor do evangelho estava lá e participou dos fatos; Lucas, autor dos Atos, não estava presente e não participou dos acontecimentos. A quem, portanto, deveremos dar maior credibilidade? Claro, João.
Daí eu volto a um assunto sobre o qual já me referi em msg anterior, sobre a simbologia presente na Bíblia. João não está preocupado com a misancênia, mas sua preocupação é a doutrina. Já Lucas procurou dar ao acontecimento uma aparência pomposa, uma liturgia de primeira classe. A simbologia do 50 (pentecostes) seria uma continuação da simbologia do 40, a que me referi antes. E para enfeitar mais o quadro, ele incluiu tb as línguas de fogo, a ventania, o estrondo, a multidão. João narra de forma muito mais simplista: soprou sobre eles e transmitiu o Espírito. O que importa para João é que todos foram confirmados na fé com o recebimento do Parakleton e então compreenderam tudo o que JC lhes havia ensinado.
Como se observa, destaco outra vez que não se pode interpretar a Bíblia literalmente, fundamentalisticamente, como se fosse uma ata ou uma crônica dos acontecimentos. Precisamos contextualizar e, sobretudo, precisamos entender a msg objetivada por cada escritor.
Pra não me alongar muito mais, peço vênia para colocar agora o cântico litúrgico que eu considero mais forte, mais emocionante, mais vibrante, pra mim, tem um significado especial toda vez que leio ou canto essas estrofes: (em latim, é óbvio, hino composto por Rabanus Maurus, um monge beneditino do séc IX)

Veni, Creator Spíritus,
mentes tuórum visita,
imple supérna grátia,
quae tu creásti péctora.

Qui díceris Paráclitus,
altíssimi donum Dei,
fons vivus, ignis, cáritas,
et spiritális únctio.

Tu septifórmis múnere,
dígitus paternae déxterae,
tu rite promíssum Patris,
sermóne ditans gúttura.

Accénde lumen sénsibus;
infunde amórem córdibus,
infírma nostri córporis
virtúte firmans pérpeti.

Hostem repéllas lóngius,
pacémque dones prótinus;
ductóre sic te praevio
vitemus omne noxium.

Per te sciámus da Patrem,
noscamus atque Filium;
teque utriúsque Spíritum
credamus omni témpore.

Deo Patri sit glória,
et Fillio, qui a mórtuis
surréxit, ac Paráclito,
in saeculórum saecula. Amem.

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