segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

22º Domingo Comum - 28-8-2012 - Dia de Santo Agostinho


Prezados Confrades,

Hoje, 28 de agosto, é dia de Santo Agostinho. Quem não lembra do Frei Agostinho Maria de Fortaleza, uma figura emblemática dos claustros capuchinhos cearenses. Tive a oportunidade de conviver com ele durante dois anos (1969 e 1970) em Guaramiranga, inclusive o acompanhei diversas vezes nas suas 'desobrigas' dominicais a Pernambuquinho e guardo dele algumas lembranças pitorescas. Uma delas é que ele não tomava vinho canônico no horário das refeições (quando faltava o vinho comum), porque dizia que era o 'preciosíssimo', só tomava se fosse o vinho comum. E quando ia deglutir o vinho comum, elevava o copo assim como se estivesse 'consagrando', só depois levava à boca. Outra que lembro dele era comentada por Frei Natal. Ele dizia que o Frei Agostinho colocava uma jarra com água do lado de fora da janela do quarto todas as noites e, no dia seguinte, quando tomava banho às 5h da madrugada com aquela água na temperatura natural da serra, após o banho regular, tomava um banho complementar com aquela água que passara a noite ao relento e era ainda mais fria do que a da caixa d'água. Nunca entendi o motivo desse ritual. Mas era um frade exemplar no cumprimento das suas obrigações, que assim Deus o tenha recebido.
Após esta homenagem ao Frei Agostinho, passo a comentar dois trechos das leituras de hoje.
O primeiro, do livro de Jeremias, quando ele relata que era objeto de zombaria ao proclamar povo a palavra divina e decidiu não mais fazer isso. No entanto, não conseguiu, porque havia um 'fogo devorador' dentro dele, que lhe inflamava os ossos e ele não conseguia parar de proclamar. Há um cântico litúrgico atual que reproduz este trecho de Jeremias, não sei se os Confrades conhecem, por isso vou reproduzir aqui o refrão: " Tenho que gritar, tenho que arriscar, ai de mim se não o faço! Como escapar de Ti, como calar se tua voz arde em meu peito? Tenho que andar, tenho que lutar, ai de mim se não o faço! Como escapar de ti, como calar, se tua voz arde em meu peito?" Este trecho está tb relacionado com uma exortação que frequentemente nos faziam no seminário, com o intuito de nos induzir a permanecer lá: todo aquele que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o reino de Deus. Evidentemente, o contexto da frase de JC não era o que nos apregoavam, porque o fogo de Jeremias continua a arder em nós, mesmo tendo saído de lá. Eu identifico esse 'fogo' com aquele carisma que a educação do seminário deixou em cada um de nós. Acontece comigo, certamente acontece com todos vcs, as pessoas perguntarem se eu sou padre ou se já fui padre. Quando eu respondo: não, fui seminarista, concluem: tem jeito de padre. É o efeito Jeremias, é o fogo que queima os ossos e insiste em aparecer, mesmo que queiramos apagá-lo. Talvez este seja o principal fator que nos une, que movimenta a fraternidade e alimenta a amizade, ou seja, o fogo de transmitir o que aprendemos, o fogo de proclamar a palavra de Deus.
A segunda passagem que vou comentar é do evangelho de Mateus, quando Pedro, na sua loquacidade descontrolada, dá mais um fora. JC falava nos suplícios pelos quais iria passar em Jerusalém, prevendo a sua paixão e morte para os discípulos e Pedro salta de lá, dizendo o que corresponde na nossa linguagem nordestina: Deus te livre disso !! E JC o chama de Satanás, sai pra lá, porque és para mim causa de escândalo (Mt 16,23). Fui conferir no texto latino de São Jerônimo e a palavra em latim é scandalum (scandalum es mihi - és escândalo para mim). Fui conferir no texto grego e lá tb encontrei o correspondente a 'scandalon', então fui ver no dicionário de grego o significado desta palavra, pra comparar com o vocábulo em português. Daí, constatei que a tradução de scandalon é obstáculo, empecilho, cilada, tentação. Não tem nada a ver com o sentido de escândalo em português, conforme vcs podem constatar. Quando JC disse que Pedro era um scandalon para ele, queria dizer: és causa de tentação, és uma pedra de tropeço, és um desestímulo. Nós sabemos que JC, enquanto homem (e aqui está uma demonstração perfeita da humanidade de JC) sofria imensamente com isso, porque como Deus, ele sabia de tudo o que ia se passar; mas sendo tb homem, ele sabia o nível de sofrimentos que ele iria suportar e sabia que seria muito cruel. Não foi à toa que no Getsêmani ele chegou a suar sangue e disse: Pai, se for possível, afasta este cálice... mas depois completou: não se faça a minha vontade, e sim a tua. Então, JC se debatia internamente com a 'tentação' de se utilizar de seus poderes divinos e passar por cima de tudo isso sem sofrer, mas ele tb sabia que não era essa a vontade do Pai e que, se fugisse dos fatos, todo o 'projeto' de salvação do Pai ficaria fracassado... isso jamais poderia acontecer. Por isso, Pedro ingenuamente se tornou um obstáculo a mais, um empecilho a mais a ser superado na sua angústia e ele mandou que ele se afastasse. E depois ainda profetizou o destino dos discípulos, ao dizer que cada um devia tomar a sua cruz e segui-lo.
Em outras passagens do evangelho, aparece o vocábulo 'scandalon' e assim, com esse significado, tb devemos compreender essa palavra nessas outras passagens, pelo princípio da interpretação sistemática (interpretar as mesmas palavras em um texto sempre num mesmo sentido). Por isso, não devemos ser 'scandalon' para as outras pessoas, o que nos tornamos quando o egoísmo ou o orgulho dominam nossas ações. Penso que o sentido mais autêntico do mandamento de 'amar ao próximo como a si mesmo' se relaciona com a atitude de não ser scandalon, ou seja, amar o próximo é não ser pedra de tropeço, é não ser causa de tentação, ao contrário, é oferecer a mão amiga, é dar o exemplo a ser seguido.

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